quinta-feira, 30 de setembro de 2010


À Laura, minha afilhada.


Quando tudo estava enegrecido,
Você surgiu e eu sabia.

De todo meu amor - mesmo que ainda inexplicável
Eu explico:
És parte de mim,
És parte do todo.

Seja bem-vinda.
Assim eu te apresento o mundo, pequena.
Pequena Laura Sofia!




Imagem: Madre y niño
Autor: O. Guayasamin

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Gripe A...nta

Talvez Balzac estivesse certo e Shakespeare não. Refiro-me aos jornais. Talvez eles sejam, como disse Balzac, os lupanares do pensamento. Uma coisa pode ser considerada certa: eles fornecem informações. Mas que tipo de informações?

Não venham me dizer que os jornais são imparciais. Não venham me falar que sem eles não viveríamos. Não venham me comentar que eles mostram somente a verdade. Qual verdade? Não tratem os jornais como novelas. Alguns sábios dizem que elas – as novelas - tratam da realidade. A título de curiosidade: Qual realidade? A minha? A sua? Eu não sou da Índia, muito menos faço parte de suas crenças, credos. E esses sábios dizem que ela mostra a realidade. Sei...

Sem os jornais, talvez a vida seria mais bela, talvez a vida fosse mais doce, la dolce vita. É impressionante como uma notícia muda tudo, todos, todas. Um simples telefonema anônimo e o caos se instala. Não abra mais as cartas, elas devem ter antraz! Conspira-se contra o vizinho, sogro, sogra (essa sempre merece atenção!). Hã, eu sempre soube que ele era suspeito. Comprava muita comida congelada... Detetives para botar inveja em Sir Doyle.

- Extra, extra, uma nova forma de gripe chegou para nos assolar! Dizem, os especialistas, que seu impacto será tão forte quanto a peste negra de séculos atrás. Noticiou um jornal fictício ou verídico. Tanto faz! Aprendi em matemática que a ordem dos fatores não altera o resultado. O nome da “coisa”, segundo esse jornal, é gripe suína, mas como a moda não pegou, denominaremos – seguindo as tendências de Milão - A...nta, gripe A...nta!

Estamos em alerta! Não aperte a mão do companheiro, não espirre, não tussa, não! Usaremos máscaras mesmo que fiquemos parecidos com alguma dançarina do funk. Quarentena já. Atenção, muita atenção! Todo cuidado é pouco! Cuidado com a gripe, porque...*


* O autor deste texto, por motivos de suspeita de gripe A...nta, não acabou de escrever o texto.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Visível invisibilidade

A voz que não se cala.
O rosto que não se apresenta.
Quem és tu, outro?
Quem são os outros?
Opina, constrói, destrói.
A idade? O tempo? O tamanho?
Julga, pré-julga, não perdoa.

Não sente, não chora, não se apaixona.
Quem és tu, outro?
Quem são os outros?
Ele não é isso, ela não é aquilo.
Coitado do Fulano, Fuja do Ciclano.

Não, é a idade.
Isso mesmo, a idade!
Ahhh, a idade.
Que forte motivo há: a idade.
O(s) outro(s) tinha(m) razão:
O problema é a idade.

Calo-me.
Quem sou eu para digladiar com o Coro?
Ou melhor: Onde está o Coro?
Se ao menos...
Não adianta.

O outro é indiferente, talvez nem seja gente.
Talvez seja gentes.
Fugir?
À francesa, à moda francesa.
Mas logo, antes que o outro me veja...

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Uma hora a menos

Uma hora a menos e meu silêncio é sagrado. É preciso cultivar a dor para um aceno vir do mar e levar ao vento tuas forças quase perdidas. Antes de anoitecer e as vagas subirem, estarás à maré sem compreender a névoa donde chegaste. Teus pés estão duros de frio, a terra ainda é fria, mas as mãos fazem fogo de tanto esfregá-las. A noite cai e as labaredas iluminam à tua volta: há anjos que se aproximam e perguntam o que sentes vivo. Não há como dizer, dizes, é preciso esfregar as mãos e sentir o fogo esquentar: por sorte, tenho o fogo. Os anjos riem e dizem haver muito perigo e amor no fogo. Tu não compreendes a língua dos anjos, mas não quer espantá-los e apenas sorri. Há pouco, vejam, meus pés estavam tão frios que eu mal os sentia, vim de outro lugar e não sei onde estou, em breve terei fome e tudo começa outra vez. Se isso faz sentido, não sei, mas o que mais esperar? Os anjos sorriem mais uma vez, olham-se como sombras e desaparecem junto à chama que aos poucos se apaga. Adiante no céu negro desponta um planeta. É preciso andar, vencer o frio, saber-se humano. Nada além de humano.




Jason de Lima e Silva - Filósofo e autor da brilhante obra "O homem que ficou vesgo".

Céu Laranja-Azulado

Quando é noite bonita e as nuvens pintam o céu de laranja-azulado, lembro-me daquela velha senhora: No sítio, em meio às árvores, ela me chamava e sentávamos na varanda; ela na cadeira de balanço e eu na rede - que àquela época ainda era bem cuidada - e ela falava da sua vida. Embora eu sempre dormisse antes que ela chegasse ao final, ela não se cansava. Toda vez que as nuvens formavam figuras laranja-azuladas no céu, lá vinha ela, com a bengala equilibrando de um lado e a rede para meu repouso do outro, me convidando para a prosa.

O início de sua história já me era decorada. Ela tinha um roteiro, e dizia que sua vida daria um bom livro; gargalhava sozinha depois disso. Um dia, pedi que ela contasse sua vida ao contrário, começasse do presente e fosse ao passado. Péssima idéia! Ela fez cara feia, recusou-se e disse: “Se algum dia eu contar a historia ao contrário, você não dormirá e eu não terei desculpas para ficar perto de você numa próxima vez! Se algum dia você não dormir e sonhar com minha história, será porque a contei baseada no hoje, e só o que sei sobre o hoje é que gostaria de ser aquela nuvem laranja, que pinta o céu azul.”

Depois disso, ela ainda balançada, a abracei. Senti uma lágrima escorrer de seus olhos e ela disse: “Eu sabia que você me entenderia, e temi, em vão, o dia em que isso acontecesse!”. No dia seguinte, ela estava sentada na cadeira de balanço, com um sorriso descansado no rosto; morta.

Aqui na redondeza, as noites não escurecem mais como antes. O sol poente traz as nuvens laranjas que decoram o céu azulado; que muitas vezes, figuram como lágrimas que se transformam em sorrisos bondosos, de um céu laranja-azulado.

[homenagem ao trio da travessa em outubro de 2008]

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O escafandro e a falsa borboleta

Um mergulho no ano de 1938. Talvez meu último. Talvez.
Minha carapaça era o escafandro. Um pulo. Um salto na incerteza. Nunca soube se voltaria. Uma leve sensação de leveza... Pensei que aquele era meu mundo. Longe de tudo, de todos.

Descendo, descendo, descendo. Fui, aos poucos, descendo. Aquele peso, enquanto descia, ia sumindo... A responsabilidade, a flor da idade, aquilo a que todos prezam – todos menos eu.

Quando livre eu acreditava estar, senti-me sendo puxado. E estava mesmo. Algo me prendia ao passado, algo me prendia ao presente. Era aquele cabo! O cabo do escafandro... Tive que retornar. Gregor, ao erguer o cabo, me puxava para aquilo que eu não mais queria: viver.