sábado, 31 de dezembro de 2011

Um poemeto assim, tristonho
é coisa de esconder, de guardar;
e enquanto não amadurecer...
só se deve mostrá-lo em sonho.

E mesmo no sonho há restrições!
Se alguém vier depreciá-lo,
Mesmo sendo pessoa sonhada,
e dizer: carece de boas fundações.

Não! Não o fazeis, pessoa sonhada!
Cuidai! Não é sonhado, o poema...
Além do que, cada poema é uma estrada...
E pode ter uma vida como tema!

Entretanto, sendo assim o guardadei.

Quando o mesmo maduro for,
Já deve expô-lo! E o dispor, e
Por ventura, se vier um ser para
O poemeto maldizer,

Pensai, autor, pensai resignado:
Certamente o poemeto já está maturado!
Não estaria sua beleza ligada a seus versos naturais?
Ou devo excusar-me alegando questões laterais?


23/12/2011.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Notas que voaram pelo ar
Transmitiram todas as nuances
Bailaram pelos meus cabelos
Flutuo

O artista pegava pelo ar as notas com seus ouvidos
E com suas mãos transmitiu em óleo
Amarelos em Dó, vermelhos em Sí
E azuis em Sol

Ele fizera notas virarem planetas e pessoas em meios tons.

A meus olhos não agradaram, porém vi de novo.
Mirei distintamente
Aquela mistura de tons em música e cores em notas
Que em meus olhos e meus ouvidos passaram e em meu corpo envolveu
Notas e tons dançando em minha volta
Cores que tocam e notas que colorem minha alma

Escrito por Lina em 23/12/2011

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Certezas do duvidoso profeta Kafka



Mergulho na imensidão dos pensamentos que são arrastados pelo fenômeno das idéias opacas - d´uns confusos sonhos - que ainda restam. O perfume da Menina Má amada paira no ar e o livro pára na cabeceira. Quando possível, o acordar se faz; depois do contato com transeuntes oníricos, no entanto, renasce a convicção de estar duvidando: e se não houver esperança?




- Há esperança, diria Franz Kafka, mas não para nós.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Ponto-ação ou lupanares da meia-noite.

(Re)Constituídos de pontos. Destituídos de outros tantos. Pontos de visão, pontos de fusão, pontos de encontro. Pontos. Separados por algumas vírgulas, ponto-e-vírgulas ou dois pontos: Não, definitivamente não estamos prontos. Há os poréns, todavias, quase todas as vias a viver. Erros crassos de uma ortografia às avessas da (ir)real situação: constituídos de pontos, escrevinhadores de trágicos contos e senhores da nossa embriagada razão.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Ai de mim, ai de nós, bem-amada,
só quisemos apenas amor, amar-nos,
e entre tantas dores se dispôs
somente a nós dois ser malferidos.

Quisemos o tu e o eu para nós,
o tu do beijo, o eu do pão secreto,
e assim era tudo, eternamente simples,
até que o ódio entrou pela janela.

Odeiam os que não amaram nosso amor,
nem o outro nenhum amor, desventurados
como as cadeiras de um salão perdido,

até que em cinza se enredaram
e o rosto ameaçante que tiveram
se apagou no crepúsculo apagado.

Pablo Neruda - Soneto LXII

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A Nova Ordem:
Os povos livres

A chama lançada se espalha


Com a chama lançada o fogo se alastrou pelos quatro ventos da Terra. Na volta do controle da produção – os (as) trabalhadores (as) (a princípio apenas de subsistência) – passa-se a ver que a imagem na parede da caverna é apenas sombra; agora já enxergam a luz; logo enxergariam a saída. Após essa primeira etapa desse processo – o qual talvez só Isso pudesse vislumbrá-lo como um todo de uma pequena parte – decidiram por ocuparem as fábricas. E assim o fizeram. Uma após outra passavam a ganhar vida novamente tendo como alma os (as) trabalhadores (as)! De fato tudo apontava para uma revolução! E mais! Uma revolução sem armas, iniciada por simples gesto e pela palavra embutida no ato!!!

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O Estranho ser que caminha adiante

O estranho. Aquele ser que caminha lá, ali, logo adiante de mim. O estranho que não tem ainda corpo definido, que és ainda fruto de toda dúvida e incerteza. O estranho me dá califrios. Mas porque o estranho? Não o conheço. De onde vem, pra onde vai? O que quer? Ou não quer? É o estranho que me causa estranha estranheza do....es..tranho? Inominável sensação de um desconforto prazer. É angústia e também desejo. Sobretudo, escravo da curiosidade. Se não entendo, desdenho. És-me estranho. O que dizem na TV. És-me estranho o que vejo em você. És-me estranho a apatia no mundo. É estranho o túnel ficando escuro no seu fim. És-me estranho o que está por vir. És-me conhecido o estranho lá, ali, logo em mim.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Labirinto

Estando no profundo não estar ,

De um lugar sem ter ,

Num espaço sem ser,

No disvirtuar-se referenciais,

Não sem rancores e resignação ,

Conjugando-se o escárnio sócio- existencial ,

Quotidiano ,

O júbilo sócio-univérsico ,

Segundal ,

Num misto sublime do sobre-viver ,

Vou-me , às gargalhadas , me fodendo .

A foder .



- Edmundo Arruda.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Sedução

Assim, de repente,

Formosa você se fez.

Presente, penetrando,

No âmago d’eu !

Sem pedir licença, sem

Respeitar limites,

Desafiando-me a saltar

Numa bela aventura inóspita.

Paraquedista do amor

Em terras ignotas.



- Edmundo Arruda.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Círculo de Fadas

Clara estava se sentindo tão implosiva e destruída que poderia se chamar Hiroshima. Era implosiva, porque se fosse ex, tudo à sua volta já teria ido se juntar ao pó das estrelas.

Pegou um pouco de pó de fadas e fez um círculo ao redor de si. Dos cogumelos de chapéu vermelho que via em seus sonhos, o único em que morava um duende foi justamente o que ela tirou do solo. E o duende pediu que ela lhe desse algo em troca. Ela era uma bruxa, sabia mexer com as palavras pra arquitetar feitiços e fetiches. Ela teceu pra ele um encantamento em forma de versos, e remexeu sua saia à procura de ervas mágicas e jogou algumas delas ao vento. Do chapéu ele tirou algumas folhas, e nelas escreveu suas vontades. Eles juntaram tudo isso em seus punhos unidos, e atearam fogo em gravetos numa fogueira onde jogaram ervas e palavras escritas.

Estava feito o encanto, e o duende sem casa teve que se mudar.

A bruxa desfez o círculo, e tudo sumiu. Ela era novamente Hiroshima, e se fez forte pra poder voltar.

Das pedras do lago de perto de casa ela fez um colar, com contas e conchas e cheiros, e ofereceu-o à Deusa do Lago, pedindo que tivesse o poder pra transitar entre os mundos com seus círculos de fada, e que pudesse sempre voltar, com a mente sã de feiticeira. Mente sã de feiticeira não é mente sã de pessoa. É a mente de uma mulher mágica.

A Dama do Lago entendia isso, e veio até a bruxa com lágrimas nos olhos, dizendo que a missão de Clara não era límpida como seu nome, e Clara chorou, chorou muito. Mas a Dama abençoou, e, Deusa que era, permitiu que a jovem bruxa acessasse os mundos quando quisesse.

Pela primeira vez, Clara implodiu de fato.

De novo girou no ar jogando das mãos brancas o brilhante pó de fadas, e o círculo se formou no chão, transportando-a para um novo mundo. O duende achara outro cogumelo para morar, e deu-lhe um pedaço pra que ela ficasse do tamanho dele. Como uma Alice mais velha, a bruxa ficou pequenina, e de repente se sentiu uma menina, conduzida pelo duende até aquele pequeno universo que ela não conhecia.

Dos encantamentos que proferiram, poucos ela guardou a memória. O tempo e as palavras ditas se perdiam fácil naquele paralelo, e ela só lembrava de imagens e flashes que ela trazia pra si em sonhos encantados. Clara implodiu pela segunda vez, e o duende sorriu satisfeito, e dos suspiros deles dois o ar se encheu.

A bruxa desfez o círculo e sumiu.

Na terceira vez que voltou ao campo de cogumelos, teve uma visão. Viu um duende que cantava na beira de um riacho pra uma linda sereia. Ele trazia consigo uma flauta que tocava com maestria, e eles juntos faziam a música mais bela que ela jamais escutara. Ela própria se fazia em canções, e se traduzia em melodias profundas e melancólicas. E de repente ela se sentiu uma intrusa num mundo de magia que não era dela, e se sentiu tão humana que resolveu voltar.

Pela quarta vez ela formou sua roda mágica. Sem se importar com melodias, ela se lembrou das lágrimas da Deusa e segurou bem sua saia comprida, pra que ela não se arrastasse. Andou por entre as folhas e o gramado pipocado de vermelho e se fez pequena novamente.

No fim de tudo, a bruxa virou um cogumelo atômico, e o duende foi morar nela.

Quando o sol se pôs naquele mundo, ela já era tão pertencente àquilo tudo que não se via sem seu portal. Agora ela pedia proteção e paz. E sabia que não teria mais. Nunca deveria ter brincado com pó de fadas. Mas estava se tornando uma delas.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Transição

Afundei meus dessabores no fundo de um copo de cachaça. Sentada no bar, eu ainda podia sentir no cabelo o perfume barato daquele que fora meu acompanhante durante a noite. Provavelmente eu nunca mais veria seu rosto barbado, mas aquilo não me inquietava, queria mesmo era ficar sozinha com meu copo, lembrando e esquecendo as memórias que um dia foram minhas. Já não era mais a mesma, mas também não sabia quem seria. Por um momento senti-me invadida por um imenso nada; um vazio tão grande que corroía qualquer espécie de sentimento que um dia pudesse ter existido em mim. Não sei quanto tempo fiquei daquele jeito, imóvel. Presa entre a inércia de meu passado e futuro, meu presente era o momento em que me esvaziava de mim mesma.

Voltei a mim quando senti uma fisgada no ferimento em meu punho; ainda sangrava, mas o corte não poderia ter sido tão fundo assim. Foi a dor, como em tantas outras vezes, que me trouxe de volta a realidade. Mas eu tinha resolvido abandonar a dor e ignorei a ardência que sentia no punho. E então me lembrei do tango, minha nova vida merecia um tango.

Atravessei a cidade até chegar numa das poucas casas onde era tocado um bom tango e no caminho arquitetei minha mudança para Buenos Aires. Era na cidade argentina onde eu deveria morar a partir dali, era lá que minha vida começaria novamente. Ah! Se o tango falasse. Diria que me chamou naquela noite de outubro.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Queria saber...(uma história nostálgica de um) sobre-tudo.




Saber diferenciar entre o azedo e o amargo tem sido uma experiência ácida - tem transbordado a noção do real. Existiria, dr., algum exilados anônimos?


- Acabou a consulta sem ser respondido; colocou novamente seu sobre-tudo, queria saber sobre-tudo, mas resignou-se, levantou-se da cadeira do consultório psiquiátrico, atravessou a rua e caiu. Caiu em mais uma armadilha da vida. Fazia frio, aliás.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

As rochas

Não sei quais foram os motivos do acaso, ou do destino - que para mim são a mesma coisa - me fizeram querer sentar naquelas rochas mas, foi exatamente o que fiz. Sentei sobre as rochas que repousam à séculos no famoso Rio da Prata. Ali a solidão era absoluta e veio como uma boa e velha amiga a qual eu não via há muito tempo. Estranho, pois a solidão normalmente me parece algo pavoroso e que deve ser evitado. Mas não ali, não sobre as rochas. O único som que existia era o barulho das águas golpeando as rochas. Golpeando e recuando, golpeando e recuando, golpeando e recuando, tudo muito lentamente. Toda essa extraordinária situação me fez pensar; e pensei...

Pensei em meus vícios, erros e desilusões; pensei as cidades; pensei as viagens e no real motivo por trás delas - se é que existe algum -; pensei em todos os ibéricos que morreram ao longo dos anos naquele rio, naquela fronteira, naquelas rochas, e em todos aqueles que prosperaram graças àquelas barrentas águas; pensei em como o espanhol é uma bela língua, que sinto grande prazer em escutar, mas não o dos argentinos que vomitam as palavras em uma velocidade absurda. Prefiro a cadência dos uruguaios mas, belo mesmo deve ser o dos espanhóis como nos filmes, ou melhor, películas, de Almodóvar. Pensei nos amores antigos, nas novas paixões, e nos amores platônicos jamais realizados - os mais belos entre os anteriores -; pensei na solidão, na velhice e na eminente morte, e fiquei com medo. Parei de pensar. Resolvi que deveria fumar um cigarro. Sim! Ali me parecia um ótimo lugar para fumar um cigarro. Ascendi, traguei, e como preso por uma terrível maldição, voltei a pensar. Lembrei que certa vez um amigo me falou que o tempo de fumar um cigarro é de aproximadamente 7 minutos. Ele deveria estar errado pois aquele cigarro me pareceu eterno. Digo eterno pois essas coisas não podem ser calculadas em minutos, segundos ou horas. Ali o tempo dos humanos não importava e os relógios não passavam de meros brinquedos. Ali importava o tempo das outras coisas: do vento, das águas, do Sol, das rochas. As rochas me fizeram refém de seu tempo.

Quando acabei de fumar o cigarro eterno, e por mais que isso pareça contraditório, ele acabou; pensei em todos os seres - não só os humanos - que ao longo do "tempo das coisas" se sentaram sobre aquelas rochas e como elas não deveriam dar a mínima importância para isso. Para elas fui só mais transeunte, um passageiro, um viajante, apenas mais um que sentou e foi embora, assim como as águas que a golpeiam. Enquanto elas ficam ali, estáticas, imóveis, apenas sendo rochas. Bem sabemos que, diferente dos elefantes, as rochas não tem boa memória. Decidi fazer com que elas se lembrassem da minha passagem.

Deixei a bituca do cigarro eterno ali, sobre elas, e parti. Alguns dirão que depredei o meio ambiente, que agredi a natureza, ou coisas desse escalão. Em minha defesa argumento que fiz uma intervenção. Intervi nas rochas assim como elas interviram em mim. Troca justa. E que a bituca do cigarro eterno continue ali provando minha passagem, até que a chuva a apodreça; ou que o vento do Prata a carregue para lugares que minha mente nunca se quer ousou sonhar; ou então, quem sabe, até que as rochas virem pequenos grãos de areia na orla da praia, esses que nada mais são do que sombras das antigas rochas.

30/09/2011 - Colônia do Sacramento, Uruguai.

Pensado enquanto estava sentado sobre sábias rochas que não ligavam a mínima para minha existência.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Hoje é aniversário de morte de Edgar Allan Poe, um dos meus escritores favoritos. Estava relendo o poema mais famoso dele "The Raven" (o corvo). Minutos depois fui ao banheiro (na faed) e isso aconteceu... não pude deixar de notar a coencidência.

O resto é história, ou melhor, a tentativa de um poema feito em poucos minutos.

Sobretudo em homenagem a Poe.


The Birdie

Sob a pia havia um pássaro,
camuflado - na verdade - da cor do granito,
imperceptível,
desatento, adentrei e urinei,
pertubando o pássaro,
o pássaro sob a pia,

Começou a voar, desesperado,
batendo, batendo e batendo,
numa barreira de cristal,
que aos homens cabe chamar de espelho,
mas aos animais não cabe a nada nomear,

batendo e batendo, o pássaro assustou-me,
corri do recinto, cheio de vexame,
não sei qual foi o destino do pássaro sob a pia,
que batia e batia contra o espelho errante,

imagino que ficou por lá,
por mais algum instante,
BATENDO, BATENDO E BATENDO,
apenas isso e nada mais!

Algo muito marcante apesar de fugaz.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A fundação,

procura fundos de investimento para criar algo novo,
procura amparos simbólicos de cunho intelectual,
procura mostrar às pessoas o que devem assistir e escutar,
procura mostrar o seu valor para a sociedade,
procura ser admirada,
procura fundar os fundamentos básicos da nova cultura,
da cultura de verdade,
mas, precisaria a cultura ser fundada?

Eis o dilema da fundação.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A bíblia de Kronos

Mãos que fraquejavam e que faziam falhar. A tormenta era, com efeito, uma tempestade que impedia compensar o inesperado. In-ten-sa-men-te descompensado. No comforto, uma zona já conhecida, abrira-se uma grande cratera e o auto-controle fora perdido. Os verbos não mais se conjugavam e não mais se sabia - mesmo porque pouco ou nada adiantaria - diferenciar se era ¨feito¨ ou ¨fazido¨. O deus Kronos, do contrário de outros tantos deuses, não esclarecera seus mandamentos através de provérbios ou adágios: ó, desmedida maturidade!


- Se não há história sem a escrita, não há experiência sem sofrimento.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

morte onírica

Sonhei que estava com alguma dessas doenças no organismo,
careca, abatido, debilitado,
olhando as alvas paredes e teto do que deveria ser um hospital,
Amigos e parentes vinham me visitar com mensagens de esperança,
na verdade eram de despedida,
Não apenas como sendo o destino certo dos mortais a morte de parecia algo eminente,
Acordei sem saber o veredicto do sonho.

Desperto; percebi que estava tranqüilo e sereno com tudo isso. Que havia sido um sonho e não um pesadelo! Que tudo aquilo me pareceu normal.

Isso sim me assustou.

Sonhei esse sonho durante um vôo.

sábado, 1 de outubro de 2011

Loucomelo

Abre-se o portão, fecha-se o portão
entre esses tempos (tempos relativos)
nada faz sentido
abriram-se as portas da percepção

o que são relacionamentos?
o que eu sou?
o que tu és?
angustiante conhecimento

lua cheia, faz sombra
isso vai passar?
quero sair daqui!

acabou, volto ao mundo da realidade
ou seria o mundo da ilusão?
ah, Aurora, veio contigo a doce bitolação.

Camilíssima.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Má sorte

Pra variar, reclamava ele de sua má sorte.

Quase nunca via o sol nascer, mas sempre assistia os primeiros raios do astro nas manhãs ensoloradas e pensava consigo mesmo "here comes the sun" e cantorolava o tchu ru tchu rup. Então se equipava e voava. O chão passa sempre bem pertinho de seus pés. O vento na cara, braços esticados e punhos cerrados. Mais um árduo dia de trabalho sob a luz escaldante do sol. Enquanto trabalha lá, ali, logo adiante, pensamentos mil lhe visantam. ...Ah minhas férias! Quando chegarem farei aquela viagem!...; ... Será que chove hoje?... ...Aquela jornalista se saiu mal ontem na entrevista que vez com a presidenta!rs... E assim, as horas iam passando. As mãos começavam a doer, os braços também e se lamentava "que má sorte a minha ter que ralar tanto, difícil é o caminho dos (as) justos (as), vou chegar atrasado de novo" enquanto olhava o seu relógio de bolso que tirara para observar as horas. O fim do dia ia chegando. Preparava-se para zarpar! Equipava-se de novo; primeiro a jaqueta, depois a mochila, as luvas e por fim o capacete. Era como um ritual. Como o cavaleiro que se prepara para a guerra. Hora de voar. Senta-se no trono de sua equina metálica. Como o tocar dos lábios no momento do beijo, dá-lhe a ignição e faz seu coração motor explodir! E saem apaixonadamente a voar! O chão passa sempre bem pertinho de seus pés! Não o vê nascer e nem morrer, mas acompanha-o se esconder por detrás das montanhas esverdejantes. As luzes da cidade se acendem e guiam-no na escuridão e antes que esta se faça presente vê lagoas, mangues, pássaros, arvóres, cada qual em seguindo seus caminhos enquanto ele faz o seu. E pensa "apesar da fodição do escravo moderno - (trabalhador) aquela bela dama, da Ordem das Ilusões, chamada Liberdade - posso agora desfrutar, nem que seja apenas tocá-la com as pontas dos dedos de uma das mãos seu belo e suave rosto o qual antes somente poderíamos olhá-lo escondido atrás de uma máscara" e nesse instante eis que surge diante de seus olhos, que um dia esta terra fétida há de comer, uma dama ainda mais bela e pergunta a ela:

- Quem és belíssima dama?
- Nem sorte nem azar, sou Fortuna.

... e nisso a roda que a Deusa carregava em suas mãos griou e enfim o Sol se pôs uma vez mais. Mas será que nascerá novamente?

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Matemática celestial

Era uma oficina que funcionava à noite.
A névoa caia naquelas noites escuras, repletas de criaturas circundantes;
E aquela luz distante era como uma estrela no chão. Perdida no breu noturno com seus sons próprios.
E dentro daquela ilha de luz, tinha música boa, água boa e coração bom.
As idéias eram esculpidas, através da linguagem, dentro de algumas normas gramaticais...
Passava a noite e também o dia. Às vezes mais. Vinha o vento e ia.
E o trabalho seguia. E de todas aquelas idéias mastigadas, cuspia-se o excesso com um pouco de seiva.
E o que sobrava... cozido era com a dor mais pura que havia.
Mas chegava um momento em que toda essa mistura e todo esse trabalho
Tornava-se poesia.
Agora sim poderia se desligar a luz e a oficina deixa de ser uma estrela no chão.
Uma estrela a menos, porém...
Um poema a mais.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Parciais

Nesse anoitecer eu espero que sim;
vou mergulhar nuns poemas velhos e empoeirados para sonhar, dentro dum sono profundo, sonhos confusos, assim, que me confundam profundamente e me façam acordar amanhã, diferente da maneira como despertei no dia de hoje.
Estou me jogando na noite longa, de punhos cerrados – como já é costume;
Mas de coração aberto.
E assim, como quem caminha e não olha pra trás,
Como quem se despede de olhos secos.
Esse sou eu,
Pelo menos na noite de hoje.
Patinando no idílico dos meus breves dias.

domingo, 11 de setembro de 2011

E a vida passa

- e a vida passa (O Coro)

Olhando pela janela da sala um belo dia depois da chuvarada.

- e a vida passa (O Coro)

Presa no meio do trânsito ouvindo música.

- e a vida passa (O Coro)

Criticando mundos e fundos na frente da TV sem fazer nada a respeito.

- e a vida passa (O Coro)

Planejando uma grande viagem.

- e a vida passa (O Coro)

Curtindo links, vídeos, fotos num banco de dados gigante.

- e a vida passa (O Coro)

Pensando em pensar me levantar e fazer alguma coisa qualquer.

- e a vida passa (O Coro)

Chorando sozinha na cama o passado nostálgico.

- e a vida passa (O Coro)

Lamentando os amores da vida que não poderei viver.

- e no corredor das escolhas descartadas passou o casal de mãos dadas junto ao seu filho. Eram A Vida, o Tempo e o Vento respectivamente, e olhando amorosamente o marido e o filho a quem via crescer dia após dia a mãe pensou...

- e a vida passa (O Coro)

O Fim do(s) Tempo(s)

o diálogo

- Oi! Eu sou o T E M P O Senhor de todos os Tempos!(proferiu o T E M P O em voz empostada ao desconhecido que ali chegou).
- Oi, eu sou o FIM.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Paixões Cotidianas

Os olhares se encontram e quase de imediato, dispersam-se. Era a vergonha. Ele tenta olhar de novo e, para sua surpresa, encontra os olhos dela olhando os olhos dele. Dessa vez dura um pouco mais, algo entre cinco ou dez segundos. Um período curto, é verdade, mas para ele pareceu eterno. Ele arrisca um sorriso e ela baixa o olhar. Ele não sabe mais o que pensar. Fica olhando e vasculhando as quinquilharias da lojinha fingindo algum interesse enquanto ela atende um casal que acaba de entrar. Será que valeria a pena ter perguntado o preço de alguma bugiganga só para puxar assunto? "Teria sim!" conclui enquanto procura a saída. Saindo ele se arrisca novamente: "Adeus, moça." com um breve aceno de mão. Ela responde mas, sem palavras. Ao invés disso com um monte de dentes cintilantes; com um sorriso. Poucas coisas são tão belas quanto um sorriso. Ele mal podia acreditar! Qual seria o nome dela? Quantos anos teria? Será que gosta de comida japonesa? De perfume? Seria fã de cinema? Fez as perguntas a si mesmo enquanto dava a ignição no carro. Tudo era felicidade e naquele instante ele só tinha certeza de duas coisas: a primeira era que ele estava apaixonado pela moça da lojinha de quinquilharias! A segunda era que não tornaria a vê-la.

Nota do autor: Texto um pouco antigo mas gosto dele, pois é singelo e bem sincero, para falar a verdade. É um presente ao aniversário do blog que foi alguns dias atrás.

domingo, 4 de setembro de 2011

Dos becos de sextas à noite


As danças e as bailarinas
chapinhando as sapatilhas nas poças
de água são feitas
e distribuem-se pela calçada.

A dançarina atravessa a rua
o ponto de ônibus está vazio
os carros passam indiferentes
buzinas tocam
dióxidos, monóxidos
carbono.

As placas indicam lugares
mas as direções são múltiplas
e multifacetada é a pedra que brilha em seu pescoço
O vento brinca nos cabelos
e os olhos estão arregalados
procurando o caminho no escuro do beco.

Tem amigos voltando na contramão
ela não se importa porque não é por eles que procura
Segue seu rumo e acha enfim o que seus olhos pediam
uma visão que inspira
olhos que fitam
decifram
e que depois descrevem.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Ex-pressão

(¨Ah, doutor¨, dizia, ¨gostaria tanto de aprender a me expressar¨. Falava disso a Rieux todas as vezes que o encontrava. Nessa noite, o médico, ao ver o funcionário municipal partir, compreendeu de repente o que Grand tentara dizer: sem dúvida, ele estava escrevendo um livro ou algo semelhante.) A peste - Albert Camus.




Alguma ex-pressão voltaria a pressionar toda uma vida a dois. E depois - bem, depois, bem depois... Ex-pressar uma idéia ex-pressa - ela que estava interiormente guardada em alguma parte desconhecida - em alguma forma de aprisionamento infinito ligado à laços eternamente acreditados como convictos e que já não mais são livres, atrofiados numa escravidão talvez experimentada apenas por ex-presos, aqueles que uma vez apaixonados já não mais serão livres, pode não ser tão simples. Ou talvez seja. É o preço. Nada mais é o que parecia. Não é o que parece - nem o que poderia ter podido parecer.

No fluxo caótico do sentir, há um derramamento contínuo na lacuna que d´antes não havia sido preenchida: Sim. É a reposta que antecipa a pergunta que será feita no que tange à essa relação - você está apaixonado?


E o que se derrama, além do gozo, é a paixão.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

King´s view



Teacher Feijó, sorry about my ¨english¨.



King´s view


One king sees. With only two eyes this lonely king sees - sometimes he doesn´t see. Someone sees a king - also with just two eyes. Both of them are see-king. Sick. Sick seek. They are sick as well. Trying to realize that there are too many wrong things with only two eyes each other... But - this word, that means almost the whole world, makes me scare: but - who is who? Who is correct? And what happens beyond god, good and bad?


Luccas Neves Stangler.
London, 22.08.12.


Pintura: Moment of transition - Salvador Dalí.

domingo, 21 de agosto de 2011

Are ¨we¨ the solution?


Com hipóteses
e teorias mil
nada se faz.

Falso microcosmo
que surge.

Com livros lidos
e dezenas de teorias
pouco se constrói.

Ou pouco
se tem construído.

Esfacelam-se letras,
escravizam-se pelas
melódicas vinhetas
e...
E?

Deseja-se um
rastro de (re)conhecimento
pelo pouco que resta:

Pela fresta da janela,
quando o nascer
do sol acontecia,
um casal é visto de mãos
dadas e atadas pela paixão.

Ahh, pai...
chão?
- Não é tão fácil assim, meu filho.

Livros,
teorias,
alegorias - deixe para ocupada pós-modernidade.

- Eu,
meu caro filho,
já estou envelhecendo,
já devo estar envelhecido,
carrego apenas lastros de alguma acumulada idade.




Foto: Jacob Sutton
Edição: We are the solution.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

mim lutar


À MM.

sem me perguntarem como me encontro direi aquilo que deve ser dito: estou de luto. reluto contra tantas forças - imaginárias, fraternas, internas, maternas -, vínculos, círculos e... tudo gira. esse mundo é mesmo desmundado. eu, sujeito-apaixonado-cinza... cinzas... estou de luto e luto! - contra toda podridão preta, contra toda essa maldita zona de incerteza, contra mim - mim? mim não saber nada. dessa situação não sabe se o sujeito cai aos prantos ou ri, ri aos montes ou dá algumas boas gargalhadas. Não! Nada disso! Mim lutará contra o que for preciso, fará o que for preciso, porque mim preciso de você!




Foto: Jacob Sutton.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A verdade sobre o crítico

- Se ao menos os trabalhadores soubessem de sua forç..
- E quem és tu a falar daqueles quem não conheces? (irrompeu de um canto escuro da taverna empostada voz altiva de estranho ar soberano provocando um silêncio constrangedor a todos que ali estavam).
- Sou...
- Sei muito bem quem és...
Fez uma pausa em sua fala.
- Como tu já vi milhares que sem saber do que falam entopem os ouvidos desavisados de ilusões e quando atigem seu maior desejo - o poder - tornam-se escravos do desejo até ficarem de quatro sem que suas bocas sedentas de citações possam balbuciar qualquer autor europeu de renome adquirido nas contradições fala/ atitude!
- Como ousas!
- Não ouso, faço. E faço de ti agora a máscara quebrada a se romper diante de sua platéia ("amigos")desvendando mais uma falácia desta terra que é a sua existência.
- Tu que vives a gabar-se de seus feitos "revolucionários" não és capaz de admitir as calças borradas e molhadas logo diante do primeiro desafio. Tu jamais terás conselho algum a dar, pois és o oposto de qualquer adjetivo a auto-estima-lo. Escória lhes adjetivariam os mais nefastos seres os quais já pisaram e irão nesta terra pisar. Se sabes dar idéias, criar teorias, debater conceitos, por qual razão não as coloca em prática?
- O sistema, a sua repressão, deixam-me sem tempo! (por fim voltou a se pronunciar a escória, mesmo que gaguenjando em meio ao nervosismo).
- Engana-se a si mesmo com tais palavras. Muitos tantos já por muito menos foram capazes de provar o contrário! Digo quem és tu! És a escória a gritar sem saber o que falar quando ouvira uma palavra "revolução"! A usa sem saber e segue a velha ordem; reproduzir repetindo a palavra que sem entendimento se perde no imenso. Não, não és escória afinal...és apenas mais uma criança, mais um aprendiz, aprendendo a verdade travestida - de mentira - reproduzindo, repetindo, continuando o dado...

Levantou-se lentamente então o homem provocador. A sombra o acompanhava. Seu rosto não se revelava mesmo diante da luz. E a três palmos do homem-criança tirou de sua vestimenta um pequenino espelho de bolso, trazendo para frente de si e então o virou na direção do infeliz. Ao se ver no espelho sua consciência percorreu como que se todas as sinapses possíveis ocorressem naquele cérebro e pensou ver um filme correr diante de si. Tudo o que sempre criticara se revelara neste momento.

- E qual era a imagem refletida Tyche?
- A de uma engrenagem.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Siddhartha

¨Siddharta had begun to feel the seeds of discontent within him. He had begun to feel that the love of his father and mother, and also the love of his friend Govinda, would not always make him happy, give him peace, satisfy and suffice him. He had begun to suspect that his worthy father and his other teachers, the wise Brahmins, had already passed on to him the bulk and the best of their wisdom, that they had already poured the sun total of their knowledge into his waiting vessel; and the vessel was not full, his intelect was not satisfied, his soul was not at peace, his heart was not still. The ablutions were good, but they were water; they did not wash sins away, they did not relieve the distressed heart.¨




Siddhartha - Hermann Hesse.

sábado, 30 de julho de 2011

A Nova Ordem:
Os povos livres

Emergem os Povos Livres


A autogestão se resignificou. Denominavam-se Povos Livres. Estrangeiros vinham de outros cantos para conhecê-los. Muitos (as) eram jornalistas. Certa vez um espanhol escreveu para sua coluna num jornal da Espanha “Y así com mucha solidaridad, trabajo e sueño Isso, ellos e ellas vivem cómo “pueblos libres””. As coisas começaram a tomar proporções – talvez – homéricas. A chama agora se espalhava pelo mundo. Frases como “Espalhem a chama dos novos tempos é chegada a era da bem aventurança!”. O mundo moderno estava ruindo. Ruíam também os bancos, os monopólios, as igrejas, o Estado (moderno). Instituições e estruturas em breve logo chegariam ao chão. Agora era questão de tempo.

A Nova Ordem:
Os povos livres

A Mudança está em curso


Aos poucos as pessoas começaram a trocar seus trabalhos, fossem artísticos ou “produções contra a fome”, como gostavam de dizer. No começo era apenas Isso para com seus vizinhos. Mas a coisa ganhou força quando a repressão chegou. As pessoas se uniram ainda mais e passaram a ajudar umas as outras. Queriam outra coisa. Sabiam agora – talvez pela primeira vez em suas existências – que não bastava derrotar o inimigo eminente, a raiz era mais embaixo. As subjetividades, ou melhor, o aprisionamento que os grandes Senhores fizeram delas começam a emergir na mente daquela gente. Era preciso mudar a relação do ser - humano; seja com o seu mundo, suas condições, com as pessoas ao seu redor, com as formas de se produzir, de agir, pensar e falar. De outro modo qualquer apenas dariam continuidade ocasionando no máximo mais uma alternância de poder.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

The diary of a young girl.

¨Margot and I started to pack. I packed the craziest things! This diary first, then handkerchiefs, schoolbooks, a comb and some old letters. Memories are more important to me than dresses.¨


The diary of a young girl - Anne Frank.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Coração das trevas

¨Vocês não conseguem entender? E como poderiam - com um calçamento de pedra debaixo dos seus pés, cercados por vizinhos gentis prontos a acudí-los ou lhes pedir algum favor, caminhando a passos contados entre o açougue e a polícia, no terror sacrossanto do escândalo, do cadafalso e dos hospícios - como podem vocês imaginar a qual região particular das eras primevas os pés desimpedidos de um homem podem levá-lo quando se depara com a solidão - a solidão absoluta, sem polícia - quando se depara com o silêncio - o silêncio absoluto, sem a voz do bom vizinho para ser ouvida e lembrar-lhe num murmúrio a opinião pública?¨




Cora
ção das trevas - J. Conrad.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Um brinde aos amigos

Este escrito que movimenta meus dedos contornando a ponta do lápis para que as palavras voltem a sintonizar meus pensamentos, só tem uma razão de ser;
Agradecer!
Agradeço a estas pessoas,
Pois guardam consigo o sentir que nunca fenece
E se em toda a parte a dor pode estar presente
Elas surgem resplandecentes,
Anestesiando todo e qualquer ferimento,
Compartilhando toda e qualquer alegria,
Vencendo toda e qualquer dor.

E isso é mais do que um simples sentir,
Pois possuí raízes profundas
Construídas de beleza e harmonia,
Oriundas de alegria
Que surgem como estrelas em noites tristes
E me fazem ter a honra de escrever e agradecer
Aos amigos que em minha vida existem.

Feliz dia do amigo!

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A relatividade do tempo

Trânsito lento.
Observo o transeunte que só quer transitar
Lá longe ele já vai
Continuo no mesmo lugar.
Olho de um lado ao outro.
Me olho...
Tempo morto.
Duas horas a menos
Duas horas a mais
Duas horas iguais.
Os carros
O bom senso
O respeito
A solidão...
Manter a razão.
Vivamos, pois
O tempo que nos restar
Pois a espera é grande...

GABRIEL P. THIESEN
ABRIL, 2011.

sábado, 16 de julho de 2011

O Catador

Um homem catava pregos no chão.
Sempre os encontrava deitados de comprido,
ou de lado,
ou de joelhos no chão.
Nunca de ponta.
Assim eles não furam mais - o homem pensava.
Eles não exercem mais a função de pregar.
São patrimônios inúteis da humanidade.
Ganharam o privilégio do abandono.
O homem passava o dia inteiro nessa função de catar
pregos enferrujados.
Acho que essa tarefa lhe dava algum estado.
Estado de pessoas que se enfeitam a trapos.
Catar coisas inúteis garante a soberania do Ser.
Garante a soberania do Ser mais do que Ter.

Manoel de Barros

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A Campanha de Chicago

Abaixo, segue a Carta de um jovem Capitão-Tenente ao seu Almirante, na Guerra chamada de "Recomeço do Mundo". A Guerra entre os Internacionalistas e Pós-Modernos deu-se a partir de 2055, após forte desentendimento dos Estados Americanos (Latino Americanos) contra parte dos Estados Europeus e os Estados Unidos. A Guerra deu-se pela disputa do monopólio de recursos naturais já escassos no Globo Terrestre. Os Internacionalistas eram comandados por uma frente chamada de Intenacional, os Europeus eram comandados por uma ala chamada de "Pós-Modernos", que tinha maior força na França. A França tinha aniquilado os Ingleses e todos que se opuseram a política Global incentivada por parte destes Pós-Modernos. A vitória dos Pós-Modernos era dada como certa por todos os cantos do mundo, porém, ainda havia uma última resistência as ações globalizadoras. O conteúdo da carta abaixo, é escrito em um local onde pode-se chamar berço da Globalização. Visto que os Internacionalistas já tinham sido derrotados em seus próprios territórios (América Latina, Rússia e China), a esperança era surpreender em uma ofensiva no território inimigo.

Exmo. Sr. Almirante de Esquadra Kolesnevik

É com pesar que informo a baixa quase que total do 9º Regimento Eric Hobsbawn. Fomos pegos de surpresa pelo inimigo. Os pós-modernos atacaram com a 1º Cavalaria Jacques Derrida por Indiana, e não havia o que fazer se não recuar para o Oeste. Não bastasse o ataque da Cavalaria Pós-Moderna ao sul, ao Norte no Lago Michigan fomos cercados pela Esquadra Francesa. A tática deles é incompreensível, tudo o que tinhamos de informação tática não se concretizou. O inimigo nos esmaga cada vez mais para o Oeste, precisamos que o 1º Regimento Karl Marx, nossa última defesa no Colorado, os detenham por pelo menos 3 semanas, caso contrário, não conseguiremos recrutar Camaradas para reestabelecer o 9º Regimento, e o nosso grupo de refugiados será descoberto nos Canyons de Utah. 
Caso o Senhor permita a audácia deste Oficial de baixo escalão, lembro que as condições para paz honrosa por parte dos Pós-Modernos não nos afetará, visto que para eles, neste Pós-Guerra não teremos mais fronteiras separando as Nações, logo, o exílio não será praticado.  Os cidadãos simpatizantes do Mundo Internacionalista serão exterminados, deixando em terra somente os Cidadãos Globais e Militares do Oficialato Internacionalista. No caso deveremos migrar para o Exército Pós-Moderno. Creio que o melhor caminho seja ceder as exigências. Não teremos de nos esconder, e ninguém saberá das nossas identidades, visto que o banco de dados do Pós-Modernos deverá homogeinizar todos os Militares do Mundo. Precisamos no entanto fazer o juramento e esquecer o que fomos e quem amamos. Sacrificaremos nossos Cidadãos e suas ideologias momentâneamente, mas a causa não está perdida, visto que ainda temos uma última cópia do nosso "Manifesto". Precisamos de agilidade para salvar o futuro, a semente ainda está guardada.

Capitão-Tenente Aguiar
Chicago, 07 de Maio de 2068

TOA

Aquém

Antes de consumir as letras grafadas, favor escutar Only you - Portishead. Grato - e volte sempre!




Nas glândulas exócrinas, exala a solidão.
Na corrente sanguínea, o veneno-efeito-menina-má.
Aliás, ela, além-mar é, com todas as letras, além-má.
Doses intravenosas de melancolia:
agora já se tornara um escravo, não há mais volta,
não há - sequer se pensa em tal ousadia - em alforria.
A arrogância-juvenil-portátil havia se esfacelado:
sabia quase nada de quase tudo.
Vin-de-bordeaux-le-fotegnac-claret-appelation-bordeaux-contrôlée-merlot-cabernet-produit-de-france-3-5-0-0-6-1-0-0-4-6-2-9-2-e-1-3-%-e-7-5-c-l.
Entre o português, algum inglês tupiniquim e um pretenso etílico francês...
Nada.
E Ela, como é sabido, é o todo.
E o fim - uma palavra d`antes nunca utilizada no sentido denotativo da expressão - ...
Bem, o fim.
Que se viva antes de todo e qualquer fim!


Luccas Neves Stangler.
Escrito numa Londres isolada - aquém de várias realidades.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O(utro) idiota.

¨Oh, so you are a philosopher; but you aware of any talents, any ability whatever in yourself, of any sort by which you can earn your living? Excuse me again.¨
The idiota - F.D.







Aqueles ponteiros em frente ao Tâmisa que faziam o famoso e imponente relógio badalar eram um lembrete: o tempo está a passar, a solidão quiçá. O rapaz da jaqueta de couro que por ali vi passar pegou um ¨takeaway¨ qualquer para fazer, ao que tive a impressão, render seus míseros vinténs. Parecia desconectado de todos aqueles turísticos sorrisos. Devia ser um cidadão londrino, notava-se seu cinza-humor-distanciado. Ao caminhar, via-se em sua mão direita, não tão claramente, mas via-se, um livro com a insígnia, digo, título, que parecia traduzir seu sentimento, como sentia-se naquele instante: O idiota. ¨Bem-vindo à confraria¨, sorriu-me um senhor, algum senhor chamado Dostoiévski - conhecem?

sexta-feira, 8 de julho de 2011

O barão e os educadores: Fábula de um protesto no ducado de Catarina

O barão de Catarina não estava presente quando tudo aconteceu. Caso tivesse a oportunidade de estar presente no início da grande revolta, provavelmente se faria ausente, como as moedas guardadas para a educação no cofre de seu palácio. Os juízes dos reis já haviam decidido em sentença lavrada e assinada o cumprimento da lei não cumprida em muitos ducados do reino: o pagamento de um soldo mínimo aos educadores. O barão de Catarina viajava com seus conselheiros públicos e privados quando a decisão foi imposta pelos juízes reais. Os educadores resolveram em assembleia parar onde tudo começou: na própria lei. E os liceus foram fechados. Enquanto isso, o barão voava de um lado para o outro para conhecer a tecnologia dos trens, das carruagens e dos zepelins com os quais viajava, com a finalidade de encontrar alguns outros barões dispostos a trazer tal tecnologia para os ricos de seu ducado. E numa dessas velozes viagens, enquanto o mensageiro falava sobre o protesto dos professores, o barão brindou um vinho do porto e arrotou discretamente uma perdiz, nas proximidades donde Colombo partiu outrora. À noite, o barão sonhou com ovelhas, brincando pacificamente sobre a relva. De repente, o céu escurecia e as ovelhas estavam de olhos vermelhos, cerrados pelas negras olheiras. Derrubavam as cercas e entravam sujas nas casas oficiais de seu ducado. Algumas espumavam pela boca. Pareciam loucas por alguma razão. O barão despertou assustado, seu pijama de listas amarelas estava inteiramente molhado e o quarto cheirava a suor. Acordou a baronesa, que suspirava profundamente com o maxilar inferior solto, para lhe perguntar se ela havia tido também um sonho com ovelhas. Você está louco, perguntou, e voltou a dormir.
No dia seguinte, o barão partilhou seu pesadelo a seus conselheiros que, por sua vez, ao barão aconselharam consultar o adivinho. O adivinho acompanhava a comitiva e, no momento, era massageado por dois enormes mouros na sauna de Valência. Ao ouvir a narrativa onírica de seu superior durante o desjejum da comitiva, o adivinho associou as ovelhas aos educadores em revolta no ducado. Rapidamente em acordo, os conselheiros políticos aconselharam ao barão reforçar a guarda de seu palácio e aumentar o controle da milícia sobre todo professor ou parente de professor. A ideia de cumprir a lei ditada pelos juízes reais não veio a ninguém, porque o duque das finanças já havia dito que o orçamento do cofre público de seu ducado não poderia ser usado para arrumar escolas nem dar esmolas aos educadores, pois precisavam manter seus empregados e seus altos postos, suas indumentárias, suas viagens e toda a nobreza de seus palácios. Além do que, se seus filhos, netos e bisnetos precisassem de educação, eles a comprariam, como compravam a retórica de falar muito para não dizer nada.

que longe andava o barão, lobo não faltou para substituí-lo em casa. E se fez circular uma lei pelo ducado de Catarina para cada liceu punir professor em protesto, a começar pelo seu bolso, que já andava vazio. A revolta cresceu ainda mais, nas ruas, nas casas oficiais, nas comunicações de todos os lares, entre mercadores e populares nas praças. Quando o barão chegou a seu ducado, mais bochechudo e papudo do que nunca, propôs cumprir a lei descumprindo-a, como se ninguém fosse perceber: no lugar de três moedas de ouro daria cinco de bronze e quanto mais saber possuísse o educador, suprimiria as de ouro e aumentaria as de bronze, segundo as instruções do duque das finanças, cuja lógica nem o próprio barão compreendeu. Acabaria de vez o desejo de estudar por parte dos educadores e a educação publicamente básica do povo continuaria às traças como sempre esteve naquele ducado. O protesto foi ainda maior e o barão gelou em seu trono de cetim. Lembrou-se do sonho e convocou todo seu exército para, durante a madrugada, conceber uma saída para a balbúrdia. Mas suspendeu pela manhã a ordem quando o mensageiro lhe anunciou que também os jovens, incluindo alguns ricos rebeldes, apoiavam o protesto dos mestres públicos. Mandou redigir uma petição aos juízes reais para protestar ilegal o protesto, mas os juízes reais, após alguns dias, argumentaram sobre a legalidade da revolta, e que eles como juízes não gostariam de resolver um problema que era dele como governador de seu ducado. Um ministro do rei, em visita ao ducado de Catarina, disse para o governador simplesmente pagar o que devia. O barão de Catarina apelou a todo ducado em nome de Deus e das crianças e convocou novamente o exército para se preparar e agir oportunamente contra os radicais. Quando dez mil pessoas gritaram e forçaram os portões de seu palácio, enquanto o barão tomava seu café da tarde e comia um bolo de cenoura, as forças armadas já esperavam do outro lado, por trás de grandes pedras e algumas árvores, e ruflaram os tambores, e uma corneta disparou seu sopro e dez mil cassetetes choveram sobre pernas e costas contras os portões e muros da propriedade oficial do barão. Em questão de minuto, só se via bandeiras quebradas e corpos gemidos e, mais ao largo, alguns pernetas e feridos chamavam o ladrão para salvá-los da milícia.

Mas não ficou por isso. A notícia andou pelo reino inteiro, de norte a sul, de
leste a oeste. Entre os professores, havia cronistas, gravuristas, pintores, mães, pais e filhos de família, aos quais trabalho nunca faltou, a dar comida e dignidade à vida, e se possível alegria. A cara de cerâmica do barão aparecia de pau por todos os lados nas bandeiras e nos palanques, e à sua volta ouvia-se um grito único para depô-lo do cargo de governador: barão, barão, volte para o chão, já vai tarde, já vai tarde, perdeu a autoridade. Mas ele não foi deposto e aos professores ao menos se garantiu o soldo básico para o pão nosso de cada dia. Os liceus continuaram do mesmo jeito, os livros no chão, as paredes ainda de pé. Um dos muitos educadores, jovem e orgulhoso de seus livros no colo, arrastava discretamente a perna esquerda pelo corredor e sentia o
peso de uma casa no ombro, mas respirava fundo e empinava o peito, para conduzir altivamente mais dez aulas naquela segunda-feira, quando tudo voltou ao normal.



Duque de Lima e Silva
Freguesia de São José da Terra Firme, inverno de 2011.



- Texto feito pelo Mestre Jason de Lima e Silva, aquele que tenho orgulho de dizer que foi meu professor de filosofia.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Another side from the outsider

I wasn't myself, but when am I myself? I'm not singular, I'm plural, I'm ''myselves"...Sometimes I'm Siddhartha, sometimes I'm from Sparta, I really don't know. Thinking about the life, the real life - but what is real? The bad girl is real, yeah, the bad girl is real. However, where is she? By the way, where am I? In a grey city, sharing with another outsiders grey experiences. Grey citzens. Forget it, it`s a nightmare; nope, it was a dream, a sweet dream without sugar - whatever!


Detalhe: desculpe os possíveis erros de concordância e gramática inglesa, prof. Feijó! (04.07.11)






quinta-feira, 30 de junho de 2011

Nau-frágil e outros excertos

Nau-frágil

Minha nau está naufragando.
Nossos oceanos não fossem tão distantes,
Talvez a tormenta fosse contida e o rumo
De destinação retomado.

Subsunção Incompleta

Grafei na mente você. Vi nas ruas várias vocês. Difícil transfigurar vocês em você. Muitas intersecções, tangências e subtrações me confundiam o operacional abstrato. Você (in) existiu e opera no meu concreto. Isso me basta nos dígrafos existenciais (15.9.10)

Geometria analítica

Mexestes.
Bem que eu vi
Tivestes o carisma de sair
Saístes na tangência de minha pegada.
Procurastes a trilha de meu passo.
Perdeste no atalho de minha picada.
E eu, um pouco sem jeito,
Atirei-me no imã do teu chegar.
Cheguei –me na secância de tua estrada.
Encontrei-me na chegada do teu bailar.
Embarguei-me na imanência de teu embriagar-me.




Edmundo Arruda.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Upa!

Como a lupa que trai a Lua.

Naquele script.

Nas minhas mãos crescia uma Deusa Nua.

Não era mulher que sua.

Tampouco uma femea na sua.

Talvez um broto sem textura.

Um diamante in natura..

Um pesadelo por detrás da fruta.

O doce amargo no outro dia.




(Prof.) Edmundo Arruda (Upa!) 21.05.11

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Esboços de Sexta-feira


"Olha, minha neta, as árvores estão dançando... O vento está cantando a música pra elas."

Selany Monteiro de Leon.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

A Nova Ordem:
Os povos livres

Nestor e Célio: sujeitos históricos


A mudança já estava em curso. Se no começo Indigente semeou, agora começava a ver a vida brotar. Daquelas caixinhas de papel nasceram os frutos e deles o gosto. O gosto de um bom tomate maduro, suculento, vermelho, orgânico; ao mordê-lo sente-se não só o gosto puro da fruta, mas da vida! Da vida que as pessoas dedicaram àquelas caixinhas de papel e, sobretudo as palavras Disso. O suor e o sangue delas estavam ali e agora eram eles e elas a provarem o sabor de suas próprias conquistas. Sentiam-se estranhamente livres, mesmo que da liberdade poucos soubessem conceituá-la, mesmo que dela não soubessem as letras para escrevê-la ou tivessem dessa palavra conhecimento. Certa vez conversavam dois compadres, vizinhos. Foram amigos de seu avô. Chamavam-se Nestor e Célio. Eram veteranos na empresa. Decidiram por aderir à greve quando da radicalização dos grandes Senhores. E conversavam:

- Ô cumpadi! Disse Nestor

- Ô chefe! Retrucou o Célio. - Os arface tão bonito demais!

- Os tumati do cumpadi também tão!

- Oia aqui pu cê uns 10 quilinhos que acabei de coiê. Um cadinho pro ceis fazer uma salada, um bom molho! Ma dona mia! Um bom molho! Riu-se todo alegre (a noite passada voltara a sonhar).

- Mas to é agredecido demais! Oia aqui uns pé de alface que apanhei ali na horta! Fresquinha! E tem também um salame dum porco que acabamo de carnear.

- Agracedíssimo amigo Nestor! Agora tenho que ir que ainda não alimentei as galinha, nem as vaca, e logo o sol esquenta e aí vai ficando tarde! Um bom dia!

- Um bom dia pro cê também!

A Nova Ordem:
Os povos livres

Os dedos ou os anéis: quando o rio muda seu curso


- A imagem em minha cabeça é a de uma grande fazenda; o vento soprando dia após dia naquelas plantações, naqueles animais, ambos apodrecendo por falta de cuidados básicos.

- Continuando... Quanto a apodrecer você está certa. O horror transparecia nos olhos dos grandes Senhores ao verem imagens avassaladoras como essas e ao olharem o definhamento das suas vaidades que se esmaeciam na pele dos gados, nas folhas de soja, era como se olhassem no espelho e vissem suas carnes apodrecerem diante de seus olhos. Que futuro nefasto lhos aguardava? Aquilo tinha que mudar! Por bem ou por mal! “Primeiramente vamos atender a algumas das reivindicações dessas gentes” foi o consenso dos grandes Senhores. Mas a mudança já estava em curso...

sábado, 18 de junho de 2011

A Nova Ordem:
Os povos livres

Muda o Vento vira o Tempo


Antes da volta do sonho, Indigente alegrava seus dias cuidando das plantas e dos animais. A greve continuava. O tempo agora sobrava. Relógio quase ninguém mais usava. O dia e a noite pouco a pouco voltava a regrar o vai e vem da vida. Enquanto isso as plantações, as criações da empresa, estavam ao relento; onde antes milhares de trabalhadores (as) derramavam suor e sangue de seu labor só se via agora um vazio; ouvia-se o uivo do vento como se os maus presságios estivessem a sondar os grandes Senhores.

A Nova Ordem:
Os povos livres

A Profecia


...como? “a vida está no ar, na terra, na água e até no fogo. O vento que sopra vindo leve solto carrega em seu colo a semente que semeará os novos tempos. Ela cairá em boa terra e de lá frutificará e de seus frutos toda fome, sede e doença saciará; e a essa terra chamarão de lar, o lar dos bem aventurados; eis o seu lugar”. Proclamava Indigente a toda gente e acompanhando tais palavras entregava um punhadinho de terra em caixinhas de papel e dizia “rega e espera; o que há de vir é apenas uma parte pequena da cura da fome, como essa, muitas outras dão frutos bons”. As pessoas regaram. E esperaram. Estranhamente, com toda a turbulência das greves, dos protestos, das doenças, da fome, da miséria, da desesperança dos esperançosos; com tudo que poderia ser de pior e o era; as pessoas voltaram a sonhar. Por cerca de 7 noites sonharam. E no fim da última noite o sonho ganhou corpo.

A Nova Ordem:
Os povos livres

O despertar


- Quem é ele? Ou seria ela?
- Denominam Isso de Indigente. Dizem que foi quem iniciou a revolução...
- E como foi isso?

...

O ano era de 4710 do calendário chinês. Indigente sempre agia com discrição. Gostava de fazer as coisas do seu jeito. Dificilmente era surpreendida pelo acaso. A alguns anos Isso parou de ir a qualquer tipo de mercado. As vizinhas comentavam, faziam futriquinhas. Alguns diziam que Isso não era desse planeta... Tudo bobagem... Isso por longos anos se dedicou a produção de suas necessidades básicas. Acho que começou quando Isso adoeceu estando à beira da morte. Diagnóstico: câncer pancreático. Trabalhou trinta e três anos para a Empresa Alimentos Orgânicos L.T.D.A. Mas, de fato de orgânico só o nome. Isso trabalhava pulverizando as plantações. Sem luvas, máscara, ou qualquer proteção que o valha. Aquilo não poderia durar para sempre. Os animais criados pela empresa para abate também tinham algo de estranho na sua criação. O caso Disso não era isolado. Outras tantas pessoas morreram esporadicamente de câncer, aparentemente sem muita explicação da origem do tumor. Coincidentemente trabalhavam todas elas para Alimentos L.T.D.A. Foi então que vieram os primeiros protestos de trabalhadores (as). Exigiam melhores condições de trabalho. Não houve acordo. Partiram para greve e tão logo veio à repressão. Alguns decidiram partir para a violência. Corpo-a-corpo. Bater de frente. Outros (as) foram mais criativos (as), espertos (as); use o adjetivo que melhor lhe convier. O fato é que todos (as) trabalhadores (as) sabiam cultivar e/ou criar animais; suas Terras eram férteis com rios que pulsavam tais quais veias e artérias num corpo saudável; nascentes, água fresca e da melhor qualidade. A chama disso; Indigente. Pode-se dizer que fora a energia de ativação da reação. Na tomada de consciência pensara (a empresa que me adoecera é a mesma que alimenta boa parte do mundo, e nos dias de hoje ninguém mais sabe de onde as coisas vêm; elas precisam saber, mas mais, muito mais que isso, tem que se envolverem; como?)...

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Experiência dos anos

Desde pequeno fui constantemente atormentado pelo fato de meus pais serem estranhos. Sofria muito na escola com a zombaria dos colegas mas não podia fazer nada afinal ninguém escolhe os pais que tem e muito menos pede para nascer. Tudo bem que eles realmente não eram as pessoas mais convencionais do mundo mas eu os amava, em especial minha mãe, mas também admirava muito meu pai que muito me ensinou. Agora que minha juventude já se foi a muito tempo os dois estão mortos e eu fiquei com a propriedade da família, a casa amarela, pelo menos era assim que todos os vizinhos a chamavam por mais que para mim sempre tenha sido simplesmente, casa.

Gostei muito de ter passado minha infância naquela casa. Havia vários cômodos e diversas áreas para uma criança com muita imaginação se aventurar e devo dizer que eu tinha sim muita imaginação. Tive até vários amigos imaginários, tudo bem que parte disso foi decorrente dos costumes peculiares de meus pais que acabavam afastando os colegas de mim. Contudo em minha juventude eu os considerava como pais normais. Hoje, com a experiência dos anos em minhas costas, sei que realmente eles eram um pouco excêntricos. Era algo nas roupas que vestiam, na maneira como andavam e comiam, nos diversos amigos e amigas que freqüentavam a casa amarela (um mais estranho que o outro) e nas festas que costumavam promover. Todas elas começavam tarde da noite, o que perturbava os vizinhos. Eram cheio de algazarras, estranhos gemidos, muita bebida e uma estranha fumaça que preenchia a parte inferior da casa, a qual eu era estritamente proibido de freqüentar enquanto essas festas aconteciam. Eu tinha que ficar trancafiado no quarto dos meus pais, lá no alto da casa, como uma princesa à espera de seu cavaleiro, mas no meu caso um jovem garoto solitário á espera de seus pais, muito embriagados. Hoje, com a experiência dos anos em minhas costas, eu sei que na verdade os dois eram devassos, alcoólatras e provavelmente usavam ópio, ou algo do gênero, contudo possuíam uma grande moralidade para comigo. Não queriam que eu visse ou participasse daquelas coisas. Como eu disse antes eles eram muito bons, amigáveis e atenciosos, tirando os momentos em que estavam festando. Pagaram meus estudos na Bélgica e França, me sustentaram por anos a fio seu se queixar um único momento até que casei com Jéssica, e com ela fui morar. Foi assim que sai da casa amarela.

Mamãe agora está morta e eu voltei para casa que não visitava fazia uns 15 anos. Vim só; afinal essa casa não representa nada para minha esposa, ela nunca chegou a conhecer meus pais. Eu nunca quis que ela conhecesse. A repressão que sofri por toda minha vida realmente teve efeito. Amava meus pais e ao mesmo tempo os desprezava por serem culpados por minha solidão. Mas agora, mamãe está morta e cá estou eu, na casa amarela.

Ando pelos quartos, pela sala, cozinha. Memórias estranhas começam a surgir, tão estranhas que até parecem não serem minhas, parecem que foram vividas por outra pessoa em algum outro tempo muito antigo. Devaneio e tiro o pó dos móveis. Lembro de uma vez em que tive um pesadelo no qual havia uma estranha seita de pessoas encapuzadas que torturavam uns aos outros até a própria morte. Foi horrível. Os gritos de dor misturados ao prazer eram horríveis. Acordei muito assustado, chorando, e desci as escadas. Desobedecendo completamente as regras entrei na “sala de festas” de meus pais e corri para os braços de minha mãe. Ela me consolou como a maior parte das mães faria. Disse que tinha sido só um pesadelo e me levou de volta ao quarto de cima esperando calmamente que eu dormisse até ela poder voltar para suas orgias semanais.

Acho que foi a primeira vez em minha vida que entrei no quarto de festas durante uma festa. O mais estranho é que não consigo me lembrar o que estava acontecendo ali. Só me lembro de minha mãe, as outras pessoas parecem sombras em minha memória. Hoje, com a experiência dos anos em minhas costas, cá estou na Inglaterra, em pé na sala de festa, muitos anos depois do meu pesadelo. É uma sala estranha, não há como descrever-la direto. Há móveis, mas não como os que estamos acostumados a ver. Definitivamente não sei para o que eles servem e me assusta até imaginar. Ela também é repleta de espelhos para todas as direções e paredes vermelhas, muito convenientes para os “eventos”, eu suponho. Muitas velas, sujeira e tempo completavam a decoração do lugar. Lá no canto, na outra extremidade, havia a porta verde. Estremeci quando a vi de novo, pois já nem lembrava que ela existia.

Era uma porta verde, grande, com inscrições em tinta dourada comunicando algo que eu não conseguia ler. Era também o local mais proibido da casa. Tão proibido que no dia em que eu toquei na porta minha mãe pegou minha mão e colocou em uma panela com água fervente. Tenho as cicatrizes até hoje. Ela me falou que a dor que eu estava sentindo não era nada comparado ao que iria acontecer caso eu cruzasse a porta verde. Mas agora, mamãe está morta e eu tenho a experiência dos anos ao meu favor.

Cruzo a porta, ela é pesada e vagarosa, como o tempo. Entro na sala. Está completamente escura e exala um cheiro muito ruim. A porta se fecha atrás de mim. Tento abri-la, mas é inútil, me parece que só abre por fora. Bato na porta e grito com todas as minhas forças, clamo por ajuda, mas é inútil, ninguém passa perto da casa amarela a um bom tempo. Tento manter a calma e pensar no que fazer, mas é então que percebo o que está acontecendo. Percebo que há alguém na sala, além de mim. Está respirando, posso ouvi-lo respirar. Reúno toda a coragem que me resta e olho para trás. Não vejo nada. Seria minha imaginação? Bom seria se fosse, mas percebo que não, a respiração está vindo de cima. Eu olho e congelo. Os seres humanos ainda não inventaram palavras em nenhuma gramática para descrever a criatura que estava no teto a me observar, por isso mesmo, não vou descrevê-la. Só posso dizer que era esverdeada e que o seu pior pesadelo de infância não chega nem aos pés daquilo. Foi quando, no extremo terror, tudo fez sentido. Meus pais não eram simplesmente estranhos ou excêntricos, eles faziam coisas que a população abomina, mexiam com coisas que a ciência não consegue explicar, liam livros apócrifos, usavam capuzes e mantos em suas festas. Sim, agora me lembro! As sombras de minha memória eram pessoas com longos mantos negros. Os gritos de meu pesadelos não eram apenas sonhos deveriam ser vítimas. Hoje, com a experiência de meus anos sei que meus pais não estavam fazendo uma festa era mais uma espécie de ritual, sabe-se lá para que, talvez para aquilo que estava no teto me observando e respirando.

Não sei explicar o porquê, mas depois que o terror foi diminuindo tirei minha roupa por inteiro e me deitei ao chão em posição fetal - me pareceu o mais correto a se fazer - e esperei pela morte, ou algo parecido com isso, que já me parecia inevitável. Estou na casa amarela, mamãe está morta e logo estarei também.

Em homenagem à E. Allan Poe, H. P. Lovecraft e J. L. Borges, além, é claro, à todos aqueles que acreditam que um simples instante de puro terror (ou prazer) ensina muito mais que anos de experiência.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Quem colírio não tem



- Jesus!?
- Diga
- Você tem colírio?
- Não (proferido com um ar severo)... mas, tenho esses óculos escuros aqui! Óculos escuros do Jesus, o único onde através da luz você enxerga o paraíso! Por apenas R$ 130 e 15,00 terços!

Em algum boteco no Brasil...

A baforada saiu como a de um toro, embora, desta vez não expressasse um ar altivo, bracejador, mas apenas uma baforada de tédio do saudoso Juca, enquanto este mastigava o arroz, o feijão e um pedaço de bife de uma garfada qual recém abocanhara. O prato estava numa bancada de madeira maciça. Bem a sua frente a visão de Juca lhe mostrava o dono bar, uma estante com bebidas, 5 geladeiras de cerveja, ervas em metro, a chapa, o chapeiro e o Chapeleiro. A comida ainda não estava bem pastosa em sua boca, dando ainda pra sentir a trituração de algum grão que perdia a casca para os dentes quando “Diachos!!! – falava consigo mesmo – agora esses desgraçados usam qualquer imagem na TV pra maior vender! De Jesus a Che Guevara, passando pelo Lula – na campanha para uma clínica de cirurgias estéticas através de células tronco, as mesmas células que lhe possibilitaram ter o dedo perdido de volta (isso abalou um pouco a sua identidade de começo, mas depois...), porém com isso acabou perdendo a sua aposentadoria por invalidez, mas ainda tinha a de presidente da república – indo até Sócrates (o atual técnico de futebol da seleção Cubana, campeã da última edição da Copa do Mundo) fazendo comercial de....ora essas, só poderia ser de Rum né; e também tem uma propaganda com a Frida kahlo, também de uma clínica de estética, mas esta de depilações com raios gama!”

- Ainda tinha gente que dizia que o capitalismo teria menos dias. Balbucio entre uma garfada e outra. Porém um outro trabalhador que estava ao seu lado, vestido de azul não pôde deixar de ouvir tal comentário o qual lhe soou bem audível.
- Mas quem foi que disse que não temos menos dias?!
- Ora essa! Um ingênuo aqui do meu lado esquerdo? Disse sem desviar o olhar do prato de comida enquanto comia.
- Claro que temos menos dias! Insistiu de forma incisiva o operário, como se lhe tivessem ofendido a honra! Temos menos dias. Menos dias de férias, menos dias de descanso, menos dinheiro pra comida e por aí vai.

Riu-se internamente o dito Juca. Todavia manteve a mesma postura serena de antes. E em tom provocador uma pergunta ao outro lançou!

- E por acaso a sua Senhora, a D. Graça foi parar aonde?

- Não tenho como lhe falar isso agora, pois como disse antes, temos menos dias. Au revoir. Saindo sem mais palavras deixando Juca de certa forma perplexo. “E lá se vai o Smurf”, pensou Juca.


Segundos depois uma pedra acerta sua cabeça. Quem seria? De onde veio ela? Fechei e abri o olho e ao abri-lo vi árvores em minha volta, ou melhor em nossa volta, já que haviam outras pessoas lá também. Parecia uma clareira. Estávamos sentados em círculo. Uma fumaça adentrou minhas narinas, causando-lhes odiosa irritação, porém de um cheiro agradável. Eufórico - do meu lado - um guri da minha idade se ria todo, fazendo balançar aqueles cachinhos dourados a cobrir e descobrir os olhos azuis. Do outro lado outra dizia “Será que a pedrada foi forte demais? Falei pra não brincar assim!”. Senti uma ardência no local em que a pedra acertara. Fiz minha mão percorrer a testa até a nuca, quando senti que algo havia de errado. Pensava “não pode ser isto, não foi tão forte assim”. Mas o fato é que estava sangrando. Senti minhas pupilas dilatar. O vento soprou como a me enamorar. Um raio de sol tocou meu rosto trazendo um pouco de calor no meio daquela tarde de inverno. Vi as lentes do meu óculos, mas diante da lente só via luz.

- E foi assim meu filho, que surgiu o famosíssimo ditado “Quem colírio não tem usa óculos de Jesus”.

- E como surgiu aquela expressão....?

- Qual?

- Segurando as pontas?

- Essa...hum...essa! Essa você pergunta pra sua mãe.