domingo, 29 de maio de 2011

O capitão - parte II

Jolly Roger, nosso capitão. Era dele que Zurique estava falando. Agora o medo era tão alto que não pude evitar mijar nas calças. Zurique praguejou quando sentiu o cheiro mas logo depois começou a sorrir pois sabia do medo que passava por meus pensamentos; era o medo da morte.E sorriu com malícia mostrando seus impecáveis dentes perolados, pois eram de pérolas mesmo, já que os verdadeiros haviam lhe caído, isso acontece com freqüência com os homens do mar graças ao escorbuto. Roger, o capitão, era uma pessoa reservada, sujeito baixinho, barbudo, sem o olho direito, com alguns dentes de ouro, e um enorme anel ornamentado por uma grande pérola. Adorava fumar seu cachimbo nas noites de lua cheia na proa do navio e cantar para tripulação quando já estava meio alegre pela bebida. Parece uma pessoa agradável para conhecer e jogar conversa fora, no entanto ainda falta uma parte em sua descrição, a parte onde ele também é um sujeito extremamente cruel com suas vítimas mesmo que essas sejam os próprios marujos, que lhe dirigem uma palavra de mal grado. Também tinha um estranho gosto para torturas, adorava inventar e praticar novas formas de fazer - lá. Jolly Roger era temido por todos os cantos em que navegávamos. Arthur só estava a 6 messes no Demon fog e já vira o capitão matar três marujos, sabia que em uma conversa com o mesmo as chances de sair vivo do diálogo não eram tantas assim.

Zurique saiu, Roger entrou lentamente. Era manco de uma perna Sentou na mesma cadeira que antes estava o negro. Ascendeu seu cachimbo, deu umas baforadas e falou:

- Soube que você andou incomodando o velho Jack, marujo.

- Não senhor! Estava conversando com ele quando ele de repente me acertou! Aquele canalh...

- Calado! – a voz ecoou pela sala, ele havia se alterado. Depois voltou para a mesma sobriedade de sempre e continuou – Jack me contou o que aconteceu e sobre a conversa de vocês...

- Mas senhor, eu insist...

- Shhh! Pelos deuses, será que você não vai me deixar falar. Aqui, fume do meu cachimbo.

- Não fumo, não senhor.

- Olha garoto, vou te contar porque Jack, que está nessa comigo há anos, ficou tão irritado com você. Você não faz nem idéia?

- Não.

- Foi por causa de Ulisses, jovem tolo! Você disse para ele que Ulisses não existia! começou a gargalhar,e gargalhar muito. – É obvio que Jack ficou uma fera, ele adora Ulisses, é o seu herói! Diga – me rapaz, você realmente não acredita no Grande Ulisses?

- Não senhor. Ulisses é apenas um mito dos gregos, uma historinha qualquer para ensinar alguma baboseira para as crianças, e devo dizer que Jack já está ficando senil com sua idade.

- Jovem e atrevido, assim como eu um dia fui. Faz quanto tempo que você está abordo do meu navio, garoto?

- Fazem 6 messes, aproximadamente.

- Então é por isso! É por isso que não acredita em Ulisses de Ítaca! Você ainda não viveu tempo o suficiente no mar para acreditar em suas histórias, para acreditar nos sonhos e nas fantasias.

Jolly bateu palmas e alguns criados entraram trazendo uma refeição com batatas, peixes e vinho. Batatas e peixe tudo bem, nos também comíamos isso, mas vinho! Isso era coisa rara de se ver, digno do capitão. Tudo o que tínhamos era o forte e encorpado rum das ilhas caribenhas.

- Sirva-se garoto e escute bem. Houve uma pausa e um suspiro amargo. – Vou lhe contar uma história...

continua...

sábado, 28 de maio de 2011

Salve Salve, povo do exílio.

Faz um bom tempo que não posto nada por aqui, não que eu tenho ficado esse tempo todo sem escrever mas às vezes me esqueço que existem espaços tão acolhedores, como este, para que possamos compartilhar os mesmos.

Antes de mais nada gostaria de saudar dois novos escritores que estão postando textos fantásticos nesse blog: Ana T. e Cevador de Solidões! Sejam muito bem vindos! Fiquei abismado com a capacidade de ambos, parabéns! Saudações também ao Lucas que continua bom como poucos são.

Em segundo lugar gostaria de falar um pouco de como esse conto, que irei postar em seguida, me surgiu. Muito dele é baseado em um elemento daquilo que chamamos de "natureza" que sempre me cativou: o mar. Adoro o mar. Olhar o mar, cheirar o mar, sentir o mar. Acho que não conseguiria viver muito longe dele (nunca cheguei a arriscar). Sempre quis passar alguns dias em alto mar, em algum navio pesqueiro, à léguas e léguas das turbulentas cidades. Espero algum dia ainda fazer isso. Como gosto bastante do mar também admiro a literatura sobre esse, e foi a partir de várias dessas histórias, que fui conhecendo ao longo da vida, que escrevi este conto.

Esse conto também tem algo inédito no meu próprio processo de escrita. Normalmente, quando eu escrevo uma história eu já sei o final dela. Na verdade muitas de minhas histórias nascem à partir do final. Isso acontece com vocês também? Escrevo para chegar ao final, para acabar com ela. Dou vida a fantasia em forma de palavras mesmo sabendo, de antemão, quando, como e onde a história irá morrer. Um pouco cruel, eu sei, mas é a verdade. Com esse texto foi diferente. Deixei ele me levar, o que é claramente, pelo menos para mim, uma forte alusão ao mar em si. Só pensei no começo, o resto foi aparecendo aos poucos.

Como o conto ficou muito longo eu o dividi em partes que irei postar esporadicamente. Também não consegui dar um título para a história por isso cada parte terá seu próprio subtítulo. Espero contar com a ajuda de vocês para dar um título geral. No mais, espero que gostem.

Ulisses - parte I

Dizem que a vida de um marinheiro é boa. Isso é mentira. A não ser que você considere uma boa vida, as léguas e léguas do mar salgado, a sujeira, o escorbuto, o sol escaldante na nuca, a falta de privacidade e o maldito canto, ou melhor, ruído, das gaivotas. Nesses casos, tudo bem, temos uma boa vida mas, pessoalmente arrisco dizer que não. Não levamos uma boa vida não mas, afinal, quem é que leva? Sendo assim devo dizer que após longos 45 anos de vida, dos quais 33 pertencem ao mar, sou apaixonado pelo que faço, apaixonado pelo maldito oceano, e pelas malditas tarefas que todo marinheiro faz.

Certo dia, Arthur (o mais jovem e belo da atual tripulação) me fez uma pergunta enquanto esfregávamos o convés:

- Hey, Jack. O que é para você ser um pirata?

- O que garoto?

- O que é ser um pirata, para você.

- Que diabos é isso?!

- É o que somos não é? Pilhamos, atacamos pequenos vilarejos, matamos pessoas, estupramos as mulheres (e os homens), levamos seus pertences como troféu, comemos e bebemos toda sua bebida. É isso que fazemos, é isso que somos; piratas!

- Tudo bem garoto, essa parte eu entendi, só não entendo de onde você tirou essa palavra pirata?

- É como todos nos chamam, pelas cidades e pequenas ilhas que aportamos. Vem do grego, se não me engano. Significa "assaltante", ou algo semelhante a isso. Para mim é disso que mais gosto, o medo que colocamos no coração das pessoas quando atracamos em seus portos, o pânico que se espalha pela cidade ao verem nossas bandeiras içadas vindo do horizonte...

- Cale-se garoto! Já não me basta a dor de cabeça do rum da noite passada ainda vem você me falando essas coisas. Olhe bem Arthur, os gregos não sabem de nada, são um bando de lunáticos, pelo menos os de hoje, diferente dos de antigamente, aqueles lá do tempo do Grande Ulisses, o primeiro de nós, marinheiros, aqueles sim eram dignos de honra, os de hoje não valem nada, mataria todos eles se pudesse.

- Jack, você sabe muito bem que Ulisses não existiu, não é mesmo?

***

Acordou de súbito. Teto estranho, cheiro estranho, era um cheiro bom, diferente do porão onde os marujos costumavam dormir. A cabeça estava doendo muito, a mão trêmula notou que ela estava enfaixada. Alguma coisa o havia acertado. Foi então que notou que Zurique, o banto, estava do seu lado. Assustou-se e também, não tinha como ser diferente, Zurique era horrível. Não bastava ser negro ainda tinha uma enorme queimadura no meio da face. Não gostava nem um pouco dos negros, foram eles que o obrigaram a seguir por essa vida de fora da lei já que sempre pegavam, ou melhor, roubavam os empregos dos verdadeiros ingleses – Arthur pensava enquanto Zurique o olhava.

- Você teve sorte, pequenino, se eu não tivesse interferido o velho Jack teria te acertado com o esfregão até você morrer. Você deve ter dito algo que o ofendeu muito, afinal, ele não costuma ser assim, não com a tripulação. O que você disse a ele, garotinho?

Zurique tinha uma voz rouca e olhos tão profundos quanto uma tempestade. Era temido por todos da tripulação, mas era braço direito de nosso capitão. Dizem às histórias que já tinha sido rei, se é que podemos dizer que havia reis na África, depois foi um escravo pois seu reino fora derrotado. Foi comprado por um francês, um homem de negócios, que estava apostando no ramo dos perfumes, o que era muito sensato de sua parte, minha mãe sempre me disse que Paris fede a merda e a peixe por todos os cantos. Zurique não suportou aquela vida. Matou seu amo, a família do mesmo, e logo mais estaria se alistando na tripulação do demon fog. Sem falar que corriam os boatos pela tripulação que ele era um mandingo, uma espécie de feiticeiro dos negros, não que eu acredite nessas coisas mas vai saber, sabe como eles são, povo traiçoeiro. Nota-se que era um sujeito assustador. De tanto medo acabei não respondendo a pergunta dele. Houve silêncio. Então ele disse.

- Se não vai contar a mim então terá que falar com Roger.

continua...

sábado, 21 de maio de 2011

Orlando

"Estou crescendo", pensou, pegando afinal na candeia. "Estou perdendo algumas ilusões", disse, fechando o livro da Rainha Maria, "talvez para adquirir outras", e desceu por entre as tumbas por onde jaziam os ossos de seus antepassados.



Orlando - Virgínia Woolf.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Distância

Marcadas linhas de negro
Os traços do desenho violentam o papel
A moça de mãos pequenas traduz em formas
o que eu traduzo em letras.

Ela põe na sombra os olhos da sua mulher inventada,
Veta-nos de enxergar o que eles têm a dizer
E eu nunca vou saber o que ela está pensando
e a moça, longe, se perde de mim...

domingo, 15 de maio de 2011

Erlebnis.

A mão trêmula não sabia
por onde começar e percorrer.

Era tudo tão intenso e tão forte
que a o desejo fez desaparecer a prudência.

E eu observava e
mapeava todas as curvas.
As suas, por certo.

No meio de toda aquela situação,
carregávamos signos de malícia.

Desdenhávamos os convencionalismos baratos,
fazíamos ruídos
e tudo era assim.

Vivendo numa moral quase pagã,
fazendo alusões à Baco,
as vespas alheias pouco importavam.

A tentativa de aprisionar o tempo
pela falta de prudência foi carnal,
onde marcas externas foram deixadas como
parte da memória.

Lembraremos - até, pelo menos, cicatrizarmos nossa aversão ao tempo!

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Sibilariando*

(Sem costumes de me apegar às pessoas
sem querer mais do que conversas superficiais
e todos notando que não me apaixonava...
Um apelido maternal que me deu um soco na cara
aqui sou eu, a Semsentimento que fala
e conta que dos tantos sentimentos, afinal eu senti um.)

Flutuo na calçada enquanto meu pensamento vai longe
e a memória traz pra mim coisas de um tempo que já não é
e isso dói um tanto, porque eu queria que fosse.
E a distância entre as paredes da cova é maior
e os leões agora parecem piores, porque são humanos, saudades e ausências.

Observo muito, e certos detalhes viram referências
e todas as referências, que graça, muitas vezes têm um único dono.

Sinto que o que sinto é estrondoso e forte e sincero demais,
preciso imensamente externar em algumas letras.
Sei que posso ser de outros e que não vejo problemas nisso
e sei também que quase todos veem problemas nisso.

Mas eu gostaria muito que tu soubesses que eu vejo corpo e alma separados
e eu espero que tu entendas que isso pode ser bom também,
porque te pertenço em um plano que vai muito além da matéria
e isso faz de ti rei de um mundo meu que é único
- enquanto podem existir príncipes e mendigos em mundos meus aos quais
eu não me entrego completamente
porque me sou só pra ti.

*"Assobiar" vem do latim sibilare

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Quotidien


Nas eiras desta palaceta
Fito velhos a transeuntar
Em meio a vívida multidão
se desviam a subir nu’altar.

Rezam terço!
passam o dia mourejando
assim a Alvorada adentra
já vêm Cá nos visitando

Provam inocência da carne firme
Da experiência, Indecência!
E jazem catres de mulheres oitras

Quando o sol oblíquo surge
apenas o cheiro nauseabundo
De um corpo que já não se faz presente.