sábado, 30 de março de 2013

Uma tentativa de escrever sem gravidade

Desprender-se do materialismo. Viver à moda marginal. É, ora pois, um tempo para lá de moderno. Vive-se, desse ou d´outro modo, sob a égide do capitalismo. Amar é um ato de coragem. Assim, amo-te corajosamente. É preciso imaginar-se feliz, assim como Sísifo o fez. Ser livre é uma questão de classe pequeno burguesa - se não a tens, lamenta-se.  

quarta-feira, 27 de março de 2013

SUAVE (Para Maria Soave)

Soa o trilo da ave
Que corre o mundo
E repousa no fundo
Do coração da gente

Sou ave da terra
Suave
Sem guerra
Amor ingente

Soave do conto
Do canto
Da alegria
Suave sol de poesia

Marta Magda
(Janeiro de 2004)

VERBO AMAR

No vazio
Quando corpo e alma emudecem
O tempo do verbo é passado
O presente é a saudade
E o futuro...

Do pretérito
Eu queria...
Eu diria...
Eu faria...

Que triste conjugação
A desse amor
Declinação da minha dor

Marta Magda
(Novembro de 2003)

quinta-feira, 21 de março de 2013

Um soldado da poesia

Conheci um  poeta
um velho menino
de poetar maduro
e versos mitológicos

Sou poeta menina - aprendiz - popular
gosto da poesia do povo
de linguagem simples
e palavras cotidianas

Ele calmamente me ensina
fala de deuses gregos
de ilhas flutuantes
de tempo, de espaço e de sonho...

Me comove mais o poeta
do que seus poemas eruditos
Um heroi que resiste, persiste
insiste em espallhar poesia

Um gigante, um sobrevivente
um homem que não se rende
à perversidade do sistema
ama, reclama, declama

Não importa a velocidade do hoje
o poeta tem outro ritmo
olha, observa, percebe, sente...
Para, conversa, filosofa, faz versos

Sua aparência frágil oculta um guerreiro
avesso à tecnologia
que não sucumbe à racionalidade...
É gente assim que salva o mundo!

- Bianca Velloso -

quarta-feira, 6 de março de 2013

O autômato


Respiro por preconceito. E contemplo o espasmo das ideias, enquanto que o Vazio sorri a si mesmo… Não há mais suor no espaço, não há mais vida; a menor vulgaridade a fará reaparecer: basta um segundo de espera.
Quando se percebe existir, experimenta-se a sensação de um demente maravilhado que surpreende sua própria loucura e busca inutilmente dar-lhe um nome. O hábito embota nosso assombro de existir: somos, e vamos além, ocupamos nosso lugar no asilo dos existentes.
Conformista, vivo, tento viver, por imitação, por respeito às regras do jogo, por horror à originalidade. Resignação de autômato: simula fervor e ri disso secretamente; só submeter-se às convenções para repudiá-las às escondidas; figurar em todos os registros, mas sem residência no tempo; salvar a cara, quando seria imperioso perdê-la… Aquele que despreza tudo deve assumir um ar de dignidade perfeita, induzir ao erro os outros e até ele mesmo: cumprirá assim mais facilmente sua tarefa de falso vivente. Para que mostrar nossa ruína se podemos fingir a prosperidade? O inferno não tem boas maneiras: é a imagem exasperada de um homem franco e grosseiro, é a terra concebida sem nenhuma superstição de elegância e de civilidade.
Aceito a vida por cortesia: a revolta perpétua é de tão mau gosto como o sublime do suicídio. Aos vinte anos se rompe em impropérios contra os céus e a imundície que cobrem; depois se cansa. A pose trágica só corresponde à puberdade prolongada e ridícula; mas são necessárias mil provas para alcançar o histrionismo do desapego. Quem, emancipado de todos os princípios de costume, não dispusesse de nenhum dom de comediante, seria o arquétipo do infortúnio, o ser idealmente desgraçado. É inútil construir tal modelo de franqueza: a vida só é tolerável pelo grau de mistificação que se põe nela. Tal modelo seria a ruína da sociedade, pois a “doçura” de viver em comum reside na impossibilidade de dar livre curso ao infinito de nossos pensamentos ocultos. É porque somos todos impostores que nos suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao falso. Não há herói moral que não seja ou pueril, ou ineficaz, ou inautêntico; pois a verdadeira autenticidade é o aviltamento na fraude, no decoro da adulação pública e da difamação secreta. Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados para sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de olhar cara a cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre nós mesmos, nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se. A dissimulação arrasta tudo o que vive, desde o troglodita até o cético. Como só o respeito das aparências nos separa dos cadáveres, precisar o fundo das coisas e dos seres é perecer; conformemo-nos a um nada mais agradável: nossa constituição só tolera uma certa dose de verdade…
Guardemos no fundo mais profundo de nós mesmos uma certeza superior a todas as outras: a vida não tem sentido, não pode tê-lo. Deveríamos nos matar imediatamente se uma revelação imprevista nos persuadisse do contrário. Se o ar desaparecesse, respiraríamos ainda; mas sufocaríamos no mesmo instante se nos fosse roubada a alegria da inanidade…

Emil Cioran, Breviário da decomposição