segunda-feira, 29 de março de 2010

Da convicção


O ar empírico que circula a minha volta me faz cega às verdades que procuro desvendar, opacidade brutal que venda os olhos de todos a tudo aquilo que somente a leveza da alma é capaz de revelar. Essa necessidade de provas e fatos materiais me sufoca ao olhar do mundo que por vezes eu não pertença. Minhas provas vêm do íntimo, do âmago de meu ser, onde somente eu posso procurar e que por si só se fazem suficientes.

Só carrega o peso aquele que é capaz e só o carrega porque o sente necessário. De todas as pessoas que optam por se livrarem daquilo que lhes pesa, eu, convicta, guardo aquilo que me é grave. O peso de minha certeza liberta meu coração, o peso de minha certeza me oferece a leveza de quem sou. Posso assim seguir plena sabendo que carrego aquilo que me vale em vez de seguir pelo caminho da aparente leveza do esquecimento.

terça-feira, 2 de março de 2010

Sonho de Criança (A menina no espelho)

Escrevi esse texto já faz algum tempo. Na época em questão o recultado final não me agradou. O encontrei em meio aos vários escritos de meu computador a uns dias atrás, o rê-li, e dessa vez, adorei o resultado! Por isso, agora, compartilho esse curto conto com vocês, caros exílados. Espero que gostem.

O título que segue em parênteses é o original, o qual achei melhor modificar.

Acordara. Espreguiçou-se e levantou-se. Caminhou lentamente, daquele jeito arrastando os pés, até o banheiro. Mas, ao se deparar com o espelho algo extraordinário fez com que todos os pelos do corpo da menina se arrepiassem! Ali, logo ali, a sua frente, estava seu reflexo, porém não como tal costumava ser durante os dias anteriores de sua vida. Ali realmente estava projetado seu reflexo, no entanto sua face não estava mais lá! Os cabelos castanhos ondulados estavam, a camisola cor-de-rosa também, no entanto seus olhos, orelhas, nariz, lábios e cílios, lá, já não estavam mais. É claro que a garota pensou nisso com a velocidade de um relâmpago que rasga o céu, enquanto tateava o rosto com a palma das mãos, que ainda estavam lá. Após um período de cerca de 3 a 5 segundos de reflexão a menina começou a sofrer de enorme angústia e aflição que jamais haviam sido vivenciadas de tal forma. Expressou seu enorme desespero da forma mais natural que um ser humano conhece para se desesperar: o grito! E, então; acordou...

Dessa vez acordara mesmo. “Tudo não havia passado de um sonho” – assim a menina queria acreditar. Pulou de sua cama e correu desenfreada para o banheiro onde pode contemplar, enfim, sua face. Jamais havia notado que era assim, - modéstia à parte- tão bela. Passada a aflição se pôs a rir sozinha em seu banheiro, pois afinal de contas havia tido um estranho sonho, digno de ser contado a alguém.

Encontrou seu pai na cozinha. Este estava lendo o jornal do dia enquanto passava manteiga no pão, ou melhor, tentava passar, já que acertava mais o prato que o pão em si. A menina não demorou a interromper seu ocupado pai, afinal precisava muito contar aquele sonho a alguém. Era uma necessidade. Assim como um diabético em crise precisa de insulina, ou um sufocado asmático precisa de sua bombinha, ou seja lá qual for o exemplo que apliquemos, a garota precisava contar sua história! Não faria sentido guardá-la para si.

Contou a história a seu pai e depois pediu a opinião do mesmo. Esse, calmamente, abaixou seu jornal e falou:

“Filha. Você realmente teve um sonho estranho essa noite. Não pelo fato do estranho sumiço de seu rostinho, mas sim porque esse sonho não tem o menor sentido. Ora querida, se você não tinha olhos no sonho como poderia ter visto seu reflexo? E se não tinha boca como poderia ter gritado? Vê minha filha, a ciência não permite tal coisa. Realmente não passou de um sonho bobo... Sonho bobo de criança!” Falava o pai a dar pequenas gargalhadas tímidas enquanto voltava para seu jornal, pão, manteiga e agora uma xícara de café preto.

A menina não pode deixar de sentir-se um pouco frustrada com a falta de entusiasmo de seu pai diante da história, mas, por outro lado, ela não havia sequer pensado em tudo aquilo! “Que homem inteligente é esse meu pai” – ficou a pensar.

Naquela noite a menina voltou a sonhar:


Estava em um mar revolto, em meio a uma tempestade, tentando sobreviver ao afogamento. Entre o caos das águas conseguia avistar, não muito longe, um barco no qual estavam seu pai, mãe e duas queridas primas. Todos estavam a gritar: “Venha Karina, venha logo! Nade depressa! Cuidado, se não a Ciência vai te pegar!”A menina já não entendia mais nada, afinal sobre o que poderiam estar falando? Não demorou muito para que a resposta viesse. Foi puxada, bruscamente, para o fundo do sombrio oceano por um horrendo tentáculo que a levava a uma espécie de boca monstruosa cheia de dentes afiados. Só teve tempo de pensar: “Oh não, a Ciência me pegou! Mas que monstro mais terrível!”, antes de ser devorada de forma atroz pela criatura.


Acordou suada; assustada! Logo percebeu que havia sido outro daqueles sonhos malucos. Estava chovendo lá fora o que explicaria o sonho com água – pensou a menina. “Mas que besteira. Um monstro marinho horrendo chamado “Ciência”, bobagem! Desse sim meu pai irá rir!” Voltou a adormecer, mas nada mais sonhou.

Na manhã seguinte contou o sonho ao pai e foi a ultima vez que fez tal coisa. Dali em diante nunca mais voltaria a ter os sonhos mágicos e fantásticos de seus tempos de infância; nunca mais.