terça-feira, 29 de maio de 2012


"Confidência"


Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No úmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome

 Mia Couto

quarta-feira, 9 de maio de 2012

O ser e a roda

Apesar de afirmarem que a roda é uma criação humana, as forças naturais contestam. Estás enganado, diriam. Retrucam diretamente e com pouca eloquência. Dizem que a invenção da humanidade ou da roda são apenas distrações e que pouco importa saber quem os criou. O mistério está contido na simplicidade do funcionamento dos mecanismos: Se giras, ela gira, nós giramos. É preciso chamar a atenção para a existência de diferentes caminhos, caminhos de todos os tipos, por onde se pode passar. Também existem atalhos, mangues e detalhes. Os primeiros giros são tortos. E a caminhada é longa – dizem que duraria uma existência para perceber que o elemento causador da mudança é a erosão. Vai, vem, vai e volta. Retornos pelo um mesmo caminho feitos de forma diversa solidificam aquilo já consagrado como eterno: a roda gira.