segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Desvendando o espelho.

Folheava meu dicionário pessoal rapidamente e, por mais que eu quisesse, não encontrava a palavra. "Locupletar", "Locutor". Ali no meio, nada. Perturbei-me por um curto instante; Mas ao ouvir o silêncio, a calma. Tomei um gole d'água e finalmente olhei ao meu redor. Meu quarto. A segurança de que ninguém entraria. Espalhados pelo chão, centenas de rascunhos. Desenhos, amores e desamores, desabafos ridículos. Objetos em lugares para mim fixos, minhas manias mentais. Como num mergulho no meu oceano tão pessoal e seco, abri novamente o dicionário e, mediando a riqueza e o narrador, escrevi a lápis mesmo "Lócus". Fechei-o e vivi um sorriso em que abrir a boca nem foi preciso.






(Feito por uma talentosa escritora, Iulla Portillo, que tem escrito com frequência no portilloiulla.blogspot.com)

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Vê, agora?

- E, então?

- E, então, o que?

- Ali, logo adiante, me diga senhor, o que está vendo?

- Nada.

- Nada?

- É, nada.

- Como nada?

- Nada porra! Não tem nada ali! Não tem nada aqui! Só areia para todos os lados... estamos perdidos, oh céus!

- Pois eu vejo muitas coisas ali adiante...

- Você está louco homem, não há nada ali! Só o maldito deserto! O maldito e seco deserto! E foi você quem nos trouxe aqui, a culpa é sua!

- Admito meu caro, que a culpa é minha, mas veja bem, você não vê, ali adiante, os tigres, o enorme Dragão, a moça bela com longos cabelos e olhos de diamantes...?

- Não. Tudo que vejo é um enorme nada. Um grande mar bege que no horizonte se uni a outro enorme oceano azulado. Não há nada além disso.

- Pobre coitado, o Sol já deve estar afetando suas idéias. Tudo bem, mas vai me dizer que você não vê o Palácio de Cristal, com o seu monarca na varanda? Ele está nos olhando nesse exato momento.

- Não, meu amigo, ele não está! Você está louco!

- Isso é porque você só olha com os olhos.

- E com o que mais deveria olhar?!

- Ora, não é obvio. Com os ouvidos, com os pelos do corpo arrepiados, com o coração, com as sensações... coisas assim.

- Meu chapa, você está mais louco do que eu imaginava! Mas não se preocupe, logo o Sol irá nos desidratar por completo.

- Louco é você!

- HAHAHA, essa é boa! Eu, louco?! Diante das tamanhas besteiras que você me fala! Baseado em que você explicaria minha loucura?!

- Veja bem, meu jovem, essa questão é simples, tente não se espantar. Esse sonho é meu, logo o louco é você, que nem sequer existe!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Uma das janelas

Um dia desses abri uma das janelas da casa e vi lá, ali, logo adiante, onde havia o dito sol radiente, o cinza nos mais variados tons. O vento e o frio ocupam o vazio de montanhas de areia cinza-claro; e ao fundo o grito do Desesperado!

- Nãooooooooooooooo!

Logo sobe um calafrio pela espinha. A noite aqui agora parece eterna. A luz já não mais brilha além do olho em chamas de ganância. Chamamos a esses Iluminados Olhos. O desatento pode vir a concebê-los como amáveis, exaltado diante da beleza do brilho daqueles olhos, Iluminados Olhos, tão logo cegos acabarão, mas não antes de ver o terror do asco de si mesmo quando de súbito se mira sendo devorado, mordida após mordida, dentada após dentada, dilacerando a carne! Parte já está só no osso, onde a dor é uma das mais terríveis e angustiantes, como sentir os ossos sendo serrados, roídos por ratazanas desdentadas, - e o pior, chega à beira de um prazer estranho - e assim, também é o asco de ver-se literalmente despedaçado! Mas, as veias ainda pulsam junto ao sangue a escorrer, espirrar e enfim jorrar! A dor agora já não é mais dor! É uma transmutação somada com o prazer, um prazer estranho a essa sociedade e seus preconceitos, a ignorar o prazer da dor e a dor do prazer de morrer, o prazer de sentir a larva se banquetear da sua carne exposta a quem quiser ver o que - do rosto as entranhas - o apolíneo burguês fez parecer seu ideal, esquecendo, pois, da podridão de que é feito o ser - humano. Eis aqui o limite explícito da aparência.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Azmyl e o vazio

Azmyl costumavam dizer os antigos, ou ao menos assim se acredita, quando sentiam alegria em seus corações. Disso sabiam muito bem - étile - aqueles que estavam acima de todos e abaixo do nada - quando compartilharam Azmyl! E foi neste momento em que a cisão se forja lentamente! Aquele caixote veio a dar sentido e sustentação final para o mundo das imagens, da razão, da visão. Através delas maquinaram tamanha chacina! Estavam prestes a matar milhares e milhares de elfrin - oráculos, popularmente conhecidos na atualidade como sonhadores - dilacerando (rasgando a duras mordidas de bocas sedentas de sangue findando a existência máxima de sentido daqueles caninos)os sonhos, a imaginação das pessoas, que passariam, gradativamente, dali por diante, a romper e/ou conciliar seu imagético sobre as coisas, pois, ora, há uma imagem agora!


E que alegria causa essa tal de imagem! E se as pessoas ficam alegres tudo, parece, então, estar bem! Azmyl é capaz de organizar e reunir várias imagens em blocos compactos chamados programas. Existem programas de vários tipos e gêneros: comédia, drama, suspense, novela, filmes (simulacros). Azmyl, por fim, ocupou o enorme vazio que existia. Existia em mim, você, nós, vós, eles, na sociedade, na humanidade. Não me sinto só. Já não me importa mais se programo ou sou programado. A novela vai chegando ao fim. Oh triste fim de mim! O que haverá depois? Outra novela, pois, e eu não serei eu, talvez uma outra personagem qualquer.

domingo, 10 de outubro de 2010

Ex-cravo.

Estive preso durante algum tempo. Um bom tempo. Alguns fatores faziam-me estar naquele estado. Não pude explicar, mas estava preso. Que asco! Uma má sensação tive. Em verdade, não sabia se era má ou não. Sufocado, sob a égide das leis "naturais": xilema, floema, seiva bruta. Altos e baixos. Fatores alheios, universo em pleno desencanto.

Eu tentava, repudiava, e continuava preso. Alguém que não conhecia tentou me libertar. Eu, assim pensei, com a ajuda desse ser, me libertei.

Já fui de tudo um pouco. Agora restavam-me lembranças. O resgate, assim me ensinaram, seria impossível. Não resgatei minhas lembranças...

Imerso no meu saudosismo, juntei o que restou: um pouco de cada. Tive saudades da minha pátria amada que não era o Brasil. Atravessei um rio chamado Atlântico. Mudei meus costumes. Moldei meus costumes.

Conheci sujeitos antes inimagináveis. Trajavam vestes estranhas, talvez não tivessem - vai saber! - entranhas. Pomposidades alheias, disseram-me que eu me libertei de minha terra.

Agora sou um ex. Ex-africano, ex-algo. Eu, que um dia fui planta, sou ex. Em minha terra, era um belo cravo - nunca briguei com a rosa! Agora sou um ex, ex-cravo da (na)Ilha da Vera Cruz.