quinta-feira, 30 de junho de 2011

Nau-frágil e outros excertos

Nau-frágil

Minha nau está naufragando.
Nossos oceanos não fossem tão distantes,
Talvez a tormenta fosse contida e o rumo
De destinação retomado.

Subsunção Incompleta

Grafei na mente você. Vi nas ruas várias vocês. Difícil transfigurar vocês em você. Muitas intersecções, tangências e subtrações me confundiam o operacional abstrato. Você (in) existiu e opera no meu concreto. Isso me basta nos dígrafos existenciais (15.9.10)

Geometria analítica

Mexestes.
Bem que eu vi
Tivestes o carisma de sair
Saístes na tangência de minha pegada.
Procurastes a trilha de meu passo.
Perdeste no atalho de minha picada.
E eu, um pouco sem jeito,
Atirei-me no imã do teu chegar.
Cheguei –me na secância de tua estrada.
Encontrei-me na chegada do teu bailar.
Embarguei-me na imanência de teu embriagar-me.




Edmundo Arruda.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Upa!

Como a lupa que trai a Lua.

Naquele script.

Nas minhas mãos crescia uma Deusa Nua.

Não era mulher que sua.

Tampouco uma femea na sua.

Talvez um broto sem textura.

Um diamante in natura..

Um pesadelo por detrás da fruta.

O doce amargo no outro dia.




(Prof.) Edmundo Arruda (Upa!) 21.05.11

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Esboços de Sexta-feira


"Olha, minha neta, as árvores estão dançando... O vento está cantando a música pra elas."

Selany Monteiro de Leon.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

A Nova Ordem:
Os povos livres

Nestor e Célio: sujeitos históricos


A mudança já estava em curso. Se no começo Indigente semeou, agora começava a ver a vida brotar. Daquelas caixinhas de papel nasceram os frutos e deles o gosto. O gosto de um bom tomate maduro, suculento, vermelho, orgânico; ao mordê-lo sente-se não só o gosto puro da fruta, mas da vida! Da vida que as pessoas dedicaram àquelas caixinhas de papel e, sobretudo as palavras Disso. O suor e o sangue delas estavam ali e agora eram eles e elas a provarem o sabor de suas próprias conquistas. Sentiam-se estranhamente livres, mesmo que da liberdade poucos soubessem conceituá-la, mesmo que dela não soubessem as letras para escrevê-la ou tivessem dessa palavra conhecimento. Certa vez conversavam dois compadres, vizinhos. Foram amigos de seu avô. Chamavam-se Nestor e Célio. Eram veteranos na empresa. Decidiram por aderir à greve quando da radicalização dos grandes Senhores. E conversavam:

- Ô cumpadi! Disse Nestor

- Ô chefe! Retrucou o Célio. - Os arface tão bonito demais!

- Os tumati do cumpadi também tão!

- Oia aqui pu cê uns 10 quilinhos que acabei de coiê. Um cadinho pro ceis fazer uma salada, um bom molho! Ma dona mia! Um bom molho! Riu-se todo alegre (a noite passada voltara a sonhar).

- Mas to é agredecido demais! Oia aqui uns pé de alface que apanhei ali na horta! Fresquinha! E tem também um salame dum porco que acabamo de carnear.

- Agracedíssimo amigo Nestor! Agora tenho que ir que ainda não alimentei as galinha, nem as vaca, e logo o sol esquenta e aí vai ficando tarde! Um bom dia!

- Um bom dia pro cê também!

A Nova Ordem:
Os povos livres

Os dedos ou os anéis: quando o rio muda seu curso


- A imagem em minha cabeça é a de uma grande fazenda; o vento soprando dia após dia naquelas plantações, naqueles animais, ambos apodrecendo por falta de cuidados básicos.

- Continuando... Quanto a apodrecer você está certa. O horror transparecia nos olhos dos grandes Senhores ao verem imagens avassaladoras como essas e ao olharem o definhamento das suas vaidades que se esmaeciam na pele dos gados, nas folhas de soja, era como se olhassem no espelho e vissem suas carnes apodrecerem diante de seus olhos. Que futuro nefasto lhos aguardava? Aquilo tinha que mudar! Por bem ou por mal! “Primeiramente vamos atender a algumas das reivindicações dessas gentes” foi o consenso dos grandes Senhores. Mas a mudança já estava em curso...

sábado, 18 de junho de 2011

A Nova Ordem:
Os povos livres

Muda o Vento vira o Tempo


Antes da volta do sonho, Indigente alegrava seus dias cuidando das plantas e dos animais. A greve continuava. O tempo agora sobrava. Relógio quase ninguém mais usava. O dia e a noite pouco a pouco voltava a regrar o vai e vem da vida. Enquanto isso as plantações, as criações da empresa, estavam ao relento; onde antes milhares de trabalhadores (as) derramavam suor e sangue de seu labor só se via agora um vazio; ouvia-se o uivo do vento como se os maus presságios estivessem a sondar os grandes Senhores.

A Nova Ordem:
Os povos livres

A Profecia


...como? “a vida está no ar, na terra, na água e até no fogo. O vento que sopra vindo leve solto carrega em seu colo a semente que semeará os novos tempos. Ela cairá em boa terra e de lá frutificará e de seus frutos toda fome, sede e doença saciará; e a essa terra chamarão de lar, o lar dos bem aventurados; eis o seu lugar”. Proclamava Indigente a toda gente e acompanhando tais palavras entregava um punhadinho de terra em caixinhas de papel e dizia “rega e espera; o que há de vir é apenas uma parte pequena da cura da fome, como essa, muitas outras dão frutos bons”. As pessoas regaram. E esperaram. Estranhamente, com toda a turbulência das greves, dos protestos, das doenças, da fome, da miséria, da desesperança dos esperançosos; com tudo que poderia ser de pior e o era; as pessoas voltaram a sonhar. Por cerca de 7 noites sonharam. E no fim da última noite o sonho ganhou corpo.

A Nova Ordem:
Os povos livres

O despertar


- Quem é ele? Ou seria ela?
- Denominam Isso de Indigente. Dizem que foi quem iniciou a revolução...
- E como foi isso?

...

O ano era de 4710 do calendário chinês. Indigente sempre agia com discrição. Gostava de fazer as coisas do seu jeito. Dificilmente era surpreendida pelo acaso. A alguns anos Isso parou de ir a qualquer tipo de mercado. As vizinhas comentavam, faziam futriquinhas. Alguns diziam que Isso não era desse planeta... Tudo bobagem... Isso por longos anos se dedicou a produção de suas necessidades básicas. Acho que começou quando Isso adoeceu estando à beira da morte. Diagnóstico: câncer pancreático. Trabalhou trinta e três anos para a Empresa Alimentos Orgânicos L.T.D.A. Mas, de fato de orgânico só o nome. Isso trabalhava pulverizando as plantações. Sem luvas, máscara, ou qualquer proteção que o valha. Aquilo não poderia durar para sempre. Os animais criados pela empresa para abate também tinham algo de estranho na sua criação. O caso Disso não era isolado. Outras tantas pessoas morreram esporadicamente de câncer, aparentemente sem muita explicação da origem do tumor. Coincidentemente trabalhavam todas elas para Alimentos L.T.D.A. Foi então que vieram os primeiros protestos de trabalhadores (as). Exigiam melhores condições de trabalho. Não houve acordo. Partiram para greve e tão logo veio à repressão. Alguns decidiram partir para a violência. Corpo-a-corpo. Bater de frente. Outros (as) foram mais criativos (as), espertos (as); use o adjetivo que melhor lhe convier. O fato é que todos (as) trabalhadores (as) sabiam cultivar e/ou criar animais; suas Terras eram férteis com rios que pulsavam tais quais veias e artérias num corpo saudável; nascentes, água fresca e da melhor qualidade. A chama disso; Indigente. Pode-se dizer que fora a energia de ativação da reação. Na tomada de consciência pensara (a empresa que me adoecera é a mesma que alimenta boa parte do mundo, e nos dias de hoje ninguém mais sabe de onde as coisas vêm; elas precisam saber, mas mais, muito mais que isso, tem que se envolverem; como?)...

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Experiência dos anos

Desde pequeno fui constantemente atormentado pelo fato de meus pais serem estranhos. Sofria muito na escola com a zombaria dos colegas mas não podia fazer nada afinal ninguém escolhe os pais que tem e muito menos pede para nascer. Tudo bem que eles realmente não eram as pessoas mais convencionais do mundo mas eu os amava, em especial minha mãe, mas também admirava muito meu pai que muito me ensinou. Agora que minha juventude já se foi a muito tempo os dois estão mortos e eu fiquei com a propriedade da família, a casa amarela, pelo menos era assim que todos os vizinhos a chamavam por mais que para mim sempre tenha sido simplesmente, casa.

Gostei muito de ter passado minha infância naquela casa. Havia vários cômodos e diversas áreas para uma criança com muita imaginação se aventurar e devo dizer que eu tinha sim muita imaginação. Tive até vários amigos imaginários, tudo bem que parte disso foi decorrente dos costumes peculiares de meus pais que acabavam afastando os colegas de mim. Contudo em minha juventude eu os considerava como pais normais. Hoje, com a experiência dos anos em minhas costas, sei que realmente eles eram um pouco excêntricos. Era algo nas roupas que vestiam, na maneira como andavam e comiam, nos diversos amigos e amigas que freqüentavam a casa amarela (um mais estranho que o outro) e nas festas que costumavam promover. Todas elas começavam tarde da noite, o que perturbava os vizinhos. Eram cheio de algazarras, estranhos gemidos, muita bebida e uma estranha fumaça que preenchia a parte inferior da casa, a qual eu era estritamente proibido de freqüentar enquanto essas festas aconteciam. Eu tinha que ficar trancafiado no quarto dos meus pais, lá no alto da casa, como uma princesa à espera de seu cavaleiro, mas no meu caso um jovem garoto solitário á espera de seus pais, muito embriagados. Hoje, com a experiência dos anos em minhas costas, eu sei que na verdade os dois eram devassos, alcoólatras e provavelmente usavam ópio, ou algo do gênero, contudo possuíam uma grande moralidade para comigo. Não queriam que eu visse ou participasse daquelas coisas. Como eu disse antes eles eram muito bons, amigáveis e atenciosos, tirando os momentos em que estavam festando. Pagaram meus estudos na Bélgica e França, me sustentaram por anos a fio seu se queixar um único momento até que casei com Jéssica, e com ela fui morar. Foi assim que sai da casa amarela.

Mamãe agora está morta e eu voltei para casa que não visitava fazia uns 15 anos. Vim só; afinal essa casa não representa nada para minha esposa, ela nunca chegou a conhecer meus pais. Eu nunca quis que ela conhecesse. A repressão que sofri por toda minha vida realmente teve efeito. Amava meus pais e ao mesmo tempo os desprezava por serem culpados por minha solidão. Mas agora, mamãe está morta e cá estou eu, na casa amarela.

Ando pelos quartos, pela sala, cozinha. Memórias estranhas começam a surgir, tão estranhas que até parecem não serem minhas, parecem que foram vividas por outra pessoa em algum outro tempo muito antigo. Devaneio e tiro o pó dos móveis. Lembro de uma vez em que tive um pesadelo no qual havia uma estranha seita de pessoas encapuzadas que torturavam uns aos outros até a própria morte. Foi horrível. Os gritos de dor misturados ao prazer eram horríveis. Acordei muito assustado, chorando, e desci as escadas. Desobedecendo completamente as regras entrei na “sala de festas” de meus pais e corri para os braços de minha mãe. Ela me consolou como a maior parte das mães faria. Disse que tinha sido só um pesadelo e me levou de volta ao quarto de cima esperando calmamente que eu dormisse até ela poder voltar para suas orgias semanais.

Acho que foi a primeira vez em minha vida que entrei no quarto de festas durante uma festa. O mais estranho é que não consigo me lembrar o que estava acontecendo ali. Só me lembro de minha mãe, as outras pessoas parecem sombras em minha memória. Hoje, com a experiência dos anos em minhas costas, cá estou na Inglaterra, em pé na sala de festa, muitos anos depois do meu pesadelo. É uma sala estranha, não há como descrever-la direto. Há móveis, mas não como os que estamos acostumados a ver. Definitivamente não sei para o que eles servem e me assusta até imaginar. Ela também é repleta de espelhos para todas as direções e paredes vermelhas, muito convenientes para os “eventos”, eu suponho. Muitas velas, sujeira e tempo completavam a decoração do lugar. Lá no canto, na outra extremidade, havia a porta verde. Estremeci quando a vi de novo, pois já nem lembrava que ela existia.

Era uma porta verde, grande, com inscrições em tinta dourada comunicando algo que eu não conseguia ler. Era também o local mais proibido da casa. Tão proibido que no dia em que eu toquei na porta minha mãe pegou minha mão e colocou em uma panela com água fervente. Tenho as cicatrizes até hoje. Ela me falou que a dor que eu estava sentindo não era nada comparado ao que iria acontecer caso eu cruzasse a porta verde. Mas agora, mamãe está morta e eu tenho a experiência dos anos ao meu favor.

Cruzo a porta, ela é pesada e vagarosa, como o tempo. Entro na sala. Está completamente escura e exala um cheiro muito ruim. A porta se fecha atrás de mim. Tento abri-la, mas é inútil, me parece que só abre por fora. Bato na porta e grito com todas as minhas forças, clamo por ajuda, mas é inútil, ninguém passa perto da casa amarela a um bom tempo. Tento manter a calma e pensar no que fazer, mas é então que percebo o que está acontecendo. Percebo que há alguém na sala, além de mim. Está respirando, posso ouvi-lo respirar. Reúno toda a coragem que me resta e olho para trás. Não vejo nada. Seria minha imaginação? Bom seria se fosse, mas percebo que não, a respiração está vindo de cima. Eu olho e congelo. Os seres humanos ainda não inventaram palavras em nenhuma gramática para descrever a criatura que estava no teto a me observar, por isso mesmo, não vou descrevê-la. Só posso dizer que era esverdeada e que o seu pior pesadelo de infância não chega nem aos pés daquilo. Foi quando, no extremo terror, tudo fez sentido. Meus pais não eram simplesmente estranhos ou excêntricos, eles faziam coisas que a população abomina, mexiam com coisas que a ciência não consegue explicar, liam livros apócrifos, usavam capuzes e mantos em suas festas. Sim, agora me lembro! As sombras de minha memória eram pessoas com longos mantos negros. Os gritos de meu pesadelos não eram apenas sonhos deveriam ser vítimas. Hoje, com a experiência de meus anos sei que meus pais não estavam fazendo uma festa era mais uma espécie de ritual, sabe-se lá para que, talvez para aquilo que estava no teto me observando e respirando.

Não sei explicar o porquê, mas depois que o terror foi diminuindo tirei minha roupa por inteiro e me deitei ao chão em posição fetal - me pareceu o mais correto a se fazer - e esperei pela morte, ou algo parecido com isso, que já me parecia inevitável. Estou na casa amarela, mamãe está morta e logo estarei também.

Em homenagem à E. Allan Poe, H. P. Lovecraft e J. L. Borges, além, é claro, à todos aqueles que acreditam que um simples instante de puro terror (ou prazer) ensina muito mais que anos de experiência.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Quem colírio não tem



- Jesus!?
- Diga
- Você tem colírio?
- Não (proferido com um ar severo)... mas, tenho esses óculos escuros aqui! Óculos escuros do Jesus, o único onde através da luz você enxerga o paraíso! Por apenas R$ 130 e 15,00 terços!

Em algum boteco no Brasil...

A baforada saiu como a de um toro, embora, desta vez não expressasse um ar altivo, bracejador, mas apenas uma baforada de tédio do saudoso Juca, enquanto este mastigava o arroz, o feijão e um pedaço de bife de uma garfada qual recém abocanhara. O prato estava numa bancada de madeira maciça. Bem a sua frente a visão de Juca lhe mostrava o dono bar, uma estante com bebidas, 5 geladeiras de cerveja, ervas em metro, a chapa, o chapeiro e o Chapeleiro. A comida ainda não estava bem pastosa em sua boca, dando ainda pra sentir a trituração de algum grão que perdia a casca para os dentes quando “Diachos!!! – falava consigo mesmo – agora esses desgraçados usam qualquer imagem na TV pra maior vender! De Jesus a Che Guevara, passando pelo Lula – na campanha para uma clínica de cirurgias estéticas através de células tronco, as mesmas células que lhe possibilitaram ter o dedo perdido de volta (isso abalou um pouco a sua identidade de começo, mas depois...), porém com isso acabou perdendo a sua aposentadoria por invalidez, mas ainda tinha a de presidente da república – indo até Sócrates (o atual técnico de futebol da seleção Cubana, campeã da última edição da Copa do Mundo) fazendo comercial de....ora essas, só poderia ser de Rum né; e também tem uma propaganda com a Frida kahlo, também de uma clínica de estética, mas esta de depilações com raios gama!”

- Ainda tinha gente que dizia que o capitalismo teria menos dias. Balbucio entre uma garfada e outra. Porém um outro trabalhador que estava ao seu lado, vestido de azul não pôde deixar de ouvir tal comentário o qual lhe soou bem audível.
- Mas quem foi que disse que não temos menos dias?!
- Ora essa! Um ingênuo aqui do meu lado esquerdo? Disse sem desviar o olhar do prato de comida enquanto comia.
- Claro que temos menos dias! Insistiu de forma incisiva o operário, como se lhe tivessem ofendido a honra! Temos menos dias. Menos dias de férias, menos dias de descanso, menos dinheiro pra comida e por aí vai.

Riu-se internamente o dito Juca. Todavia manteve a mesma postura serena de antes. E em tom provocador uma pergunta ao outro lançou!

- E por acaso a sua Senhora, a D. Graça foi parar aonde?

- Não tenho como lhe falar isso agora, pois como disse antes, temos menos dias. Au revoir. Saindo sem mais palavras deixando Juca de certa forma perplexo. “E lá se vai o Smurf”, pensou Juca.


Segundos depois uma pedra acerta sua cabeça. Quem seria? De onde veio ela? Fechei e abri o olho e ao abri-lo vi árvores em minha volta, ou melhor em nossa volta, já que haviam outras pessoas lá também. Parecia uma clareira. Estávamos sentados em círculo. Uma fumaça adentrou minhas narinas, causando-lhes odiosa irritação, porém de um cheiro agradável. Eufórico - do meu lado - um guri da minha idade se ria todo, fazendo balançar aqueles cachinhos dourados a cobrir e descobrir os olhos azuis. Do outro lado outra dizia “Será que a pedrada foi forte demais? Falei pra não brincar assim!”. Senti uma ardência no local em que a pedra acertara. Fiz minha mão percorrer a testa até a nuca, quando senti que algo havia de errado. Pensava “não pode ser isto, não foi tão forte assim”. Mas o fato é que estava sangrando. Senti minhas pupilas dilatar. O vento soprou como a me enamorar. Um raio de sol tocou meu rosto trazendo um pouco de calor no meio daquela tarde de inverno. Vi as lentes do meu óculos, mas diante da lente só via luz.

- E foi assim meu filho, que surgiu o famosíssimo ditado “Quem colírio não tem usa óculos de Jesus”.

- E como surgiu aquela expressão....?

- Qual?

- Segurando as pontas?

- Essa...hum...essa! Essa você pergunta pra sua mãe.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Filhos de Éris

Jura, e as palavras, belas,
Escorrem-lhe da boca.
Caem doces, escorrendo pelo queixo da amante,
Que o rapaz muito gosta de lamber.

Passa, o percurso molhado da palavra,
Percorre as d'antes doces frases ditas
Que agora desfalecem tão amargas,
Escorrendo do pescoço ao peito nu.

No colo delicado que se inunda,
Maculado pela dor do juramento quebrado,
Vê-se a cobertura enegrecida
Da fome, da dor e do engano.

Os fluidos dos belos verbos seguem
Pela boca em que foram ditos esquecidos
Mas no ventre onde já escorre o discurso
A desordem se alastra e se enraíza.

As raízes penetram a pele fatigada
Instalam-se fecundas em solo úmido
Emaranhadas, infeccionando a casta derme
Arranham e provocam superfícies intocadas.

Da flor branca o combate se apodera
Como fosse um campo de batalha
Na derrota o puro receptáculo se rompe
Massacradas pétalas disputam o chão.

Voltam doces as palavras graves,
De engano e pólen mesclam-se em frases.
Quentes gotejam dos lábios generosos
Que bruscos abocanham o seio despido.

Desprotegido colo, marcado pela dor do verbo
Torna à inércia fria da perjura
Da bela morte a vívida lembrança, enfim,
Seu corpo vira território da discórdia.

sábado, 11 de junho de 2011

O Vermelho

O vermelho. Vermelho. Morango. Rosas. Fogo, pétalas, sangue. Ouço o canto dos pássaros que dividem espaços com a sinfonia dos veículos na rua da cidade. O bater do vento sobre as árvores; e ao farfalhar as folhas caem. As pétalas caem; vermelhas. O céu azul; agora coberto de cinza. O agonizante cinza que paira por vossas cabeças sedentas de porquês. Um dia houve paz? Concentração. Meditação. Ouço agora o coração batendo bobeando o sangue pro corpo inteiro. Tum tum tum.O sangue vermelho. Vermelho. Vozes de protestos. Banhos de sangue. Mas sei que por detrás das nuvens e sua escuridão reluz a grande bola de fogo na abóboda azul. Além das nuvens, além das tempestades, além da escuridão e toda premissa tempestiva de desesperança, há um céu azul! Azul. Agora sinto o cheiro. O cheiro provindo daquele jardim, das pétalas de milhares de flores que circundam as crianças. As crianças que inda correm sem pressa ou compromisso, desconhecendo tudo e nada. Nos sorrisos insisto a felicidade que muitas vezes se quer arrisco. Na boca agora o gosto, o paladar, o sabor do canto de um sonhador. E se disso tudo nada tiro; um amor, uma flor, o prazer de viver a vida - simples como ela é - não como o bicho “homem” quer; o prazer da água fresca a boca a escorrer pelos lábios e logo ao lado, ali, um colibri! que mesmo sem dentes com o bico me sorri! Lembra-me de tudo o quanto matamos, dia após dia, vidas perdidas, controladas, programadas e quando tirarmos nossas roupas, máscaras, personagens, essência não haverá senão o reflexo no espelho - usando o tato as pontas dos dedos se aproximam a tocar o espelho; imagem e reflexo se encontram; tocam-se, mas nada sentem como milhares de corações de pessoas robotizadas - do projeto humano, ainda em barro, ele grita “quero viver! Quero viver” e do outro lado do espelho o humano cansado chora e desmonta, balbucia, tenta gritar e não consegue e de sua boca jaz a desesperança de nossos tempos e grita pra si “quero morrer, quero morrer”, mas o som que sai morre no choro e a concentração me volta. Do alto morro volto a usar a visão. Agora abro olho. O pensamento se foi. Um pouco de paz chegou. Findo agora o esforço de não pensar e em jejum o fiz e disso tudo que corri, hoje terá um nome, de sentido que se esvai ao começar do amanhã e amanhã este nome outra coisa poder-se-á, mas hoje o nome disso é vermelho.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A balada de Jolly Roger - parte III

Deve fazer uns quinze anos agora, isso mesmo, há quinze anos. Eu era um jovem destemido e atrevido, assim como você, mas diferente de você eu não nasci para ser marujo, a liderança estava no meu sangue; tinha nascido para ser capitão. Desde criança o mar sempre me encantara, muito por causa de meu pai, que também era um homem do mar. Passava mais tempo no mar do que com a família, o que deixava a pobre de minha mãe um pouco triste, é verdade, mas sempre quando retornava trazia maravilhosos presentes para ela, para mim e meus irmãos. Presentes dos cantos mais fantásticos do mundo. Contudo o que eu mais gostava era das histórias. Ah, as histórias! Como eram belas, garoto. Eu queria poder viajar só para explorar os confins de nosso mundo e poder contar histórias dignas da honra de meu finado pai!

Houve uma pausa. Bebeu vinho. Continuou.

Mas saiba caro marujo, que nem todas as histórias são felizes. Como eu ia lhe dizendo aconteceu há quinze anos. Estávamos a bordo do meu primeiro navio, o Dream Hunter, bela embarcação, muito veloz, feita de madeira clara. Navegávamos por uma região do Caribe com o objetivo de chegarmos à Jamaica, em Kingston, mesmo porto que atracamos alguns dias atrás. Os motivos de nossa parada eram óbvios e você já os presenciou. Os marujos precisam, volta e meia, repor a ausência de certos caprichos que o mar não pode oferecer.

Durante parte de nossa viagem um albatroz seguiu o Dream Hunter, chegando até a pousar no convés do navio em muitas ocasiões. Durante o tempo em que o pássaro nos acompanhou a pescaria foi intensa. Os peixes praticamente saltavam para dentro do barco implorando para que os comecemos, entende garoto. Não precisávamos fazer nenhuma parada, havia comida em abundância, tanto peixe que até o pássaro era muito bem alimentado. Não tenho nada contra isso, não tenho nada contra animais, mas, algo no comportamento dos marujos começou a me enfurecer.

Começou espalhar-se um boato pela tripulação de que o tal pássaro era um presente de Deus, que trazia boa sorte, que era graças a ele que a pescaria estava indo tão bem, e falatórios desse tipo. Senti que deveria ajudar aqueles pobres homens crédulos a pararem com tais asneiras e resolvi dar um basta naquilo tudo.

“Certa manhã, no convés, ao ver o albatroz ídolo que estava repousando no deque saquei minha pistola e o atingi. Bang! Mas não foi um tiro letal, eu não queria matá-lo, ao menos não daquela forma. Você sabe como eu sou não é garoto?” Passou um tempo fumando antes de continuar. “- Algumas pessoas me consideram cruel, eu, pessoalmente, me considero uma pessoa divertida. Existe algo mais engraçado do que fazer alguém sofrer antes de morrer?! Eu acho hilário!” Jolly Roger começou a rir histericamente enquanto todos os meus músculos se enrijeceram de tal forma que achei que o coração fosse parar, mas ele não parou e a história seguiu...

“Então eu peguei o maldito pássaro que ainda não estava morto e o amarrei junto a estátua de uma sereia que ornamentava a proa, para que ele morresse de fome ou sede com o passar do tempo, mas na verdade morreria antes que isso graças ao ferimento da bala. A tripulação ficou enfurecida! Olhavam-me com um imenso ódio! Amaldiçoaram-me! Tentaram se rebelar e fazer um motim! Foi uma situação complicada. Tive que matar dois e aleijar um terceiro para que voltassem a si e tornassem a me respeitar. Sabe garoto, sou pequeno mas não queira entrar em uma luta de espadas comigo.” Falou isso dando tapinhas em minhas costas. Senti a espinha gelar.

A tripulação insistia que o meu ato iria trazer má sorte para o Dream Hunter. Eu falei para eles que isso era bobagem e que aquele que se atrevesse a tocar no pássaro iria ter o mesmo destino do pobre animal. E o albatroz ficou lá, pendurado. Maldito pássaro, simplesmente não morria. Durou sete dias, sem água, sem comida, com uma bala em seu abdômen, algo muito estranho, estranhamente fantástico. Foi então que começou...