domingo, 28 de novembro de 2010

NINGUÉM É INOCENTE, MAS SERÃO TODOS CULPADOS?

As ondas de violência que estão a assolar a cidade do Rio de Janeiro vêem sendo vistas numa lógica dualista, numa antiga visão entre o bem e o mal, mocinho e bandido, obra do Zoroastro. É muito mais do que óbvio – a quem se dispor refletir sobre – que não existe nem só bandidos, nem só vilões, quanto menos inocentes a viver no meio disso tudo. De uma forma ou de outra todos e todas acabam contribuindo para este tipo de situação. Muitos traficantes são de famílias de “bem”, as quais trabalham arduamente pra conseguir seu sustento. Essas famílias – muitas vezes – são coniventes com o tráfico de drogas uma vez que seus filhos as comercializam. Obviamente também existem famílias que relação alguma possuem com este tipo de atividade econômica, mas que se omitem – em grande parte – por causa do medo. Há também os policiais a se corromperem, a traficar e/ou gerir este tipo de negócio. A corrupção, como não poderia deixar de ser, está claramente também no meio político, em que esses que deveriam ser os representantes do povo representam em larga escala as classes mais abastadas da sociedade e possuem além de ligação com o tráfico de drogas, também com o de armas (caso do político o qual o nome lembra um Pavão ou também do poderoso chefão João Havelange, embora este não seja político). Por fim, temos no topo da colina, os peixes grandes a fomentar este tipo de atividade ilegal, além de inúmeras outras variantes que não caberão aqui. São pessoas das altas classes da sociedade e entupir os narizes com cocaína, matéria prima do Craque o qual existe uma campanha demasiadamente hipócrita para combatê-lo. De certo que ninguém mora nos morros porque quer. Mas que contribuem de uma forma ou de outra com o tráfico...E os consumidores! Entoa em voz alta o conservadorismo extremo que cultiva o autoritarismo em seu âmago! “Só existe o tráfico porque existe consumidor”. O consumo de drogas existe desde que o mundo é mundo e todo tipo de segmento social já fez algum tipo de uso dessas substâncias. Antigamente elas eram utilizadas para se ter contato com o divino. Toda essa hipocrisia tem raízes no moralismo religioso, na economia e política (para destacar apenas 3 elementos disso tudo) e em se falar de religião é muito engraçado este combate, peguemos o caso do catolicismo, mais precisamente do papa Leão XIII que tomava vinho de coca, que mais tarde viraria a bebida coca-cola a qual em seu início utilizava cocaína em sua fabricação. O caso do cânhamo é muito interessante. Ele era utilizado – suas fibras – para a confecção de velas dos navios a época das grandes navegações (dentre outros usos como confecção de cordas) e mais atualmente a marca Adidas utilizava suas fibras para a confecção de um calçado. Detalhe extremamente relevante é de que o cânhamo poderia ser utilizado em quase tudo, como é o caso do petróleo, sendo muito mais ecologicamente correto que o último. Mas obviamente a máfia do petróleo não queria perder esse mercado. Aí junta-se a isso o moralismo puritano norte-americano, o preconceito em relação a imigrantes mexicanos que faziam uso da “droga” e o resultado é criminalização da maconha em grande parte do mundo, tudo isso, claro, a grosso modo. O mais engraçado de tudo é que o álcool e o cigarro - que matam milhares de pessoas todos os anos mundo a fora é permitido, paga imposto, e causa rombos nos cofres públicos na área da saúde – não são considerados drogas, mesmo sendo corriqueiramente denominados de “drogas lícitas” enquanto que no caso da maconha nunca foi constatada nenhuma morte pelo seu uso e está sendo largamente estudada pela ciência em áreas como a medicina no tratamento de doenças como esclerose múltipla e fibromealgia. “A informalidade gera violência, desordem e dividendos” como escreveu recentemente Fernanda Torres. A legalização das drogas – com políticas públicas sobre seu uso, bem como, seu controle – seria um golpe tremendo para os corruptos e o tráfico, mas são exatamente esses corruptos que estão no poder...Claro que a legalização não é nenhuma medida miraculosa, pois mesmo havendo esses controles, por trás deles estarão humanos a fazê-los, mas muito provavelmente melhoraria em muito essa situação. A questão do tráfico não é só de segurança pública, mas também de saúde pública e educação, é uma questão social. E este tipo de situação só é discutida quando passa a atingir as classes médias e altas da sociedade as quais temem que essa violência bata a porta de suas casas! A violência ocorre diariamente nos morros e ninguém fala nada. Porque só agora decidiram combater ativamente o tráfico de drogas? Como armas de uso exclusivo do exército vão cair nas mãos de traficantes? A polícia sempre soube quais são os pontos de venda de drogas. Mas deixe estar a esses policiais aspirantes a titãs, os deuses estão zangados e o mais deles é Dionísio, a tragédia se anuncia no horizonte. Minha roda se pôs a girar, tlec, tlec, tlec, que o apolínio burguês trema! O afortunado da vez é Baco o deus estrangeiro. Das florestas vem o sopro aterrorizante “Ninguém é inocento, são todos culpados”. Os "inocentes" temem "os deuses estão zangados".


"Não há mais culpados nem inocentes agora todos irão pagar, mas na guerra sublimada aleijados e analfabetos ainda tentam modificar"

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A falta

à m.



As palavras me faltam.
Que angústia!
Logo agora que tanto preciso delas
Elas me escapam.
Somem, desaparecem.
Por tudo o que representou,
Por tudo o que ainda representa.
Faltam-me as palavras.
Faltam-me.
A beleza inocente,
A doçura que não se deixa amargar.
Idas sem rumo,
Voltas sem direção.
Faltam-me as palavras.
Faltam-me.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Uma história pra lembrar e contar: a vida para amar

Papai, ainda me lembro, sempre dizia “cuidado com a hipocrisia”. Ouvi algumas vezes esta frase. Ele sempre procurou nos passar valores éticos e um pouco de moral, uma moral humana. No começo não entendia essa tal de moral, mas a ética era como um guia a me orientar em minhas escolhas. Aprendemos com ele a valorizar a vida, afinal uma pequena semente poderia se tornar uma enorme árvore e “a lagarta que rasteja até o dia em que cria asas”, ao batê-las aqui pode provocar um furacão em um lugar do outro lado do mundo! Toda forma de vida devia ser respeitada. A semente de hoje era a comida de amanhã. “A mãe-terra nos dá tudo o que precisamos”, dizia ele, por isso tínhamos que cuidar bem dela! No lugar onde crescemos havia muito verde, de todos os tons; cores das mais lindas quando chegava a prima mais querida, a primavera; muitos bichos – grandes e pequenos – e por vezes saíamos nas noites primaveris a procura das fadas! Tudo que precisávamos saber papai e mamãe nos ensinavam. Boa parte de nossxs amigxs iam ainda para escola. Mas nós aprendíamos com nossos pais as importantíssimas lições da vida as quais, diziam elxs, não encontraríamos nas escolas. Além disso as escolas ficavam longe, na selva de pedras – uma das mais terríveis, em que pessoas matavam pessoas, com ou sem motivo, um verdadeiro absurdo, e quanto medo nos dava ao ouvir essas estórias nas rodas de contos a beira do fogo em noites estreladas – em que a cor predominante era o angustiante cinza. Claro que nem tudo era maravilhoso, por vezes ficávamos de castigo por aprontar travessuras, bem como, em brigas entre irmãos, e papai nos fazia ir com ele em suas andanças pelas hortas, casas em construção, pescar, e nos ensinava como as coisas funcionavam, que uma casa não se começa pelo telhado “ela tem que ter uma base forte antes” e que criar animais, cultivar hortas, não poluir o rio, acabavam por criar bases para sobrevivência humana, contribuindo para saciar a fome e a sede.

Certo dia papai estava atônito e triste. Chegou pra mim e disse “filha você está crescendo”. Após essas palavras seu semblante se fechou; suas pálpebras reprimiam os olhos para baixo e uma luz correu seu rosto, era uma lágrima a qual ao cair no chão causou-lhe uma pequena deformação e se transformou em milhares de outras gotículas a molharem a grama. “Vou lhe contar uma história e preste muita atenção”.

- Há algum tempo atrás, cerca de uns 600 anos mais ou menos, o mundo começou a mudar para o que é hoje. Houve uma crise. Muitas pessoas morreram por motivos de doença, guerra e fome. Pouco a pouco os burgos (cidades) aumentavam cada vez mais e tornavam-se paulatinamente mais importantes. A nobreza entrava em decadência. A monarquia se fortalecia. Os mercenários ganhavam importância. Isso se deu num continente que leva o nome da deusa Europa.

Nunca tinha ouvido desta história até então! Deusa Europa?! Mercenários?! A 600 anos atrás?! Seguiu um breve silêncio naquele ponto. Ele procurava retomar o fôlego. E continuou.

- Deram-se inicio as grandes navegações. Descobriram então que o mundo era maior do que pensavam quando acharam essas terras. Mas elas já possuíam moradores. Esta história é sobre a ganância humana. Pois, mesmo os que aqui já habitavam, outrora também expulsaram e mataram os que antes viviam cá. Isso tudo - a largo passo – foi motivado pela ganância de pessoas ricas que queriam cada vez mais as riquezas só pra si, evidenciando desta forma, outra cruel faceta humana, o egoísmo. As instituições modernas foram forjadas. Muita coisa importante foi pouco a pouco esquecida. Os burgos – as cidades, selvas de pedras – cresciam cada vez mais. O cinza foi tomando conta do verde, a sujeira dos rios e muitos dos animais desapareceram por completo, a não ser pela memória. Inventaram as fábricas que jogavam dezenas de metros cúbicos de gases tóxicos no ar. Logo vieram os carros e já não tínhamos mais lugar por onde andar. Criaram os aparatos repressivos a obedecê-los e a nos bater, calar, torturar e matar. E diante da fumaça e desgraça que a gente teve que tossir resolvemos resistir e lutar. Mas as estruturas estavam contaminadas e assim, contaminavam as pessoas. Tivemos que fugir. E aqui chegamos. Sempre hesitei este momento, mas é chegada a hora em que você terá lidar com essas coisas sozinhas. Não podemos mais nos esconder do mundo. As cidades estão chegando. E lá se dará uma nova etapa de sua vida.

Não queria acreditar no que ouvia! Não podia ser verdade! Não queria ir pra cidade. Corri desesperada mata adentro. Corri, corri e corri sem parar. Suava frio quando cheguei à beira do rio. Estava cansada, assustada e com sede. Comecei a controlar a respiração novamente. Pouco a pouco aflição foi cedendo. Agachei-me e posicionando uma mão sobre a outra fiz um “copinho” para apanhar um punhado de água que corria pelo rio. Alguma coisa havia mudado. Podia sentir isso no gosto da água, no soprar daqueles ares. Não era mais o mesmo rio e eu não era mais a mesma mulher. Dias depois daquela conversa papai e mamãe foram assassinados. Antes disso nos mandaram para cidade na casa de parentes. Aquela fora a notícia mais triste que já recebera em toda a minha vida. Era tudo muito estranho. Mas uma frase martelava em minha cabeça “cuidado com a hipocrisia”.

Aos poucos comecei a sair do quarto. Voltei a comer. A comida nunca mais teve o mesmo sabor. O que era aquilo que comiam na cidade? Pra mim não era comida. O medo da selva de pedras ainda se fazia presente. Estava olhando pela janela da sala a rua. Era uma grande janela. Então pude ver o tempo mudando. Ao longe vinha uma imensa, gigantesca, nuvem escura. Dela saíam muitos raios, trovões! Mas poucos atingiam a superfície. Corri para o quarto e me escondi em baixo das cobertas. Foi quando lembrei certa vez de uma pequena planta. Era um dia tenebroso como este com milhares de raios e trovões e pensava “coitada da pobre plantinha sozinha lá fora”. Na manhã seguinte corri para ver como ela estava. Seu estado era drástico. As folhas caídas pareciam demonstrar sua tristeza. Papai então chegou e me disse “não fique triste minha pequena, as raízes estão firmes, a base está forte, ela irá melhorar”. Essas palavras acalmaram meu coração. Dia a dia ia lá para ver a pobrezinha. Na primeira semana as coisas pareciam não mudar. Quando veio a segunda semana pude ver o que os olhos não permitiram. As raízes estavam fortes mesmo como papai disse e as folhas voltavam a flutuar entre o caule, o céu e o chão, desafiando novamente a gravidade que as colocara para baixo. Não podia mais ficar ali, escondendo-me para sempre embaixo do lençol. Dei um pulo de súbito! Coloquei um calçado e saí pela porta! A tempestade já havia passado. Tinham crianças na rua a jogar bola e se divertir das mais diversas formas. Estranhei aquela cena. Por muito havia guardado apenas aquela imagem apocalíptica da cidade. Foi então que percebi. Quando papai me falou aquilo não era pra me amedrontar, mas para me alertar das atrocidades que ocorrem nas cidades, principalmente nas grandes. Os pais daquelas crianças das ruas não eram iguais, alguns se pareciam com os meus outros eram os gananciosos e egoístas que papai nos prevenia. E estes falavam muito bonito para inglês ver (ou seria melhor: para norte-americano ver?); falando de sustentabilidade, ética, justiça, quando o que lhes importava era o dinheiro, aquele “pedaço de papel sujo, que nem pra limpar a bunda serve” dizia mamãe em suas discussões com sua irmã, nossa tia. E nessa correnteza eu notei a essência da frase martelo, pois a nossa maior luta chegara, a luta pela vida! Estávamos nas ruas protestando! As empresas sintéticas pretendiam dar o golpe final! Nesses tempos a artificialidade tomou conta da vida. Denominavam os sábios isso como sendo a “anti-vida”. O individualismo nos isolou por duros anos, até este momento. O Chefe de Estado então decidiu se pronunciar. Seu partido era tido como de esquerda.

- Cidadãos e cidadãs!

Logo pensei, pra quem este palhaço está falando?! Nunca ensinaram cidadania em suas políticas públicas...ah, sim, cidadãos são os abastados, assim como, na antiga Grécia, de forma bem diferente, obviamente.

- Estamos aqui para manter o Estado-democrático de direito!

Milhares de forças repressoras asseguram o discurso do chefe e muito bem equipadas nos ameaçam de diversas formas, inclusive de morte.

- Deixem essas questões para os órgãos responsáveis! Entoava ele.

Curiosamente neste exato momento a ficha parece ter caído a todxs! Estávamos frente a frente com a hipocrisia. Os órgãos competentes eram extremamente incompetentes para com os vidamantes, demonstrando na maioria dos casos completa indiferença para com nós! Pude então entender a tal da moral! Mas esta que nos despejavam a torto e direito não era humana. As campanhas eleitorais eram uma das maiores peças a qual esta humanidade presenciava! Criminalizavam as drogas e fomentavam o tráfico, o qual sem pagamento de tributos ao Estado entrava já sob a forma de dinheiro nas campanhas, aumentando o endosso dos famosos “caixa 2”, acabando também por fomentar a violência. Não permitiam ao pequeno cultivar sua comida em terras protegidas pelas leis ambientais, mas garantiam o aval de construções com enormes impactos ambientais naquelas regiões sem nenhuma forma de punição para esses figurões, como enormes represas – as quais acabavam por alagar imensas áreas – estaleiros em águas rasas, dentre outras. O dinheiro produzido com nosso suor, nossas vidas, ausência – muitas vezes – de carinho e atenção para com os nossos, era – através dos impostos – dado aos banqueiros e outros exploradores da vida alheia. E a nós? O que resgatava agora? Nem mais migalhas! Nem mais migalhas! E parece que de uma forma mágica ou racional, não sei, essas palavras ecoavam nas cabeças de cada um(a) ali presente! E repentinamente começou! Em uníssono:

- Não mais migalhas, vida a quem trabalha! Não mais migalhas, vida a quem trabalha!
- Não mais migalhas, vida a quem trabalha!

E o que começou aos poucos de forma tímida, foi tomando conta de tudo e todxs! Tão logo assim o foi, que xs humanxs por trás das fardas puderam perceber novamente a vida! E o que tinham feito a ela! Aquilo não podia continuar! E começaram a entoar ainda mais alto:

- Não mais migalhas, vida a quem trabalha! Não mais migalhas, vida a quem trabalha! E começamos todas e todos a marchar em direção aos(as) tiranos(as)! O chão tremia! Aos “déspotas” se notava agora um extremo medo, terror e pavor em seus olhos! Foram cercadxs e obrigadxs a se render. A humanidade não era mais a mesma. Sabíamos o que fazer. Não precisávamos de mais ninguém a dizer como as coisas tem que ser feitas! Não mais Estado e aparatos repressivos, não mais patrão, uma nova Era parece emergir.

E tão logo a vitória chegou, colocamo-nos a nossos afazeres. Os inimigos de ontem são no máximo hoje como animais peçonhentos, sem muito que temê-los, mas tendo o cuidado de não pizá-los. Agora não precisava mais trabalhar todo dia, muitos menos fazê-lo guiado pelo tempo do relógio. Agora acredito que meus filhos poderão viver num lugar mais justo, um lugar que nossos pais lutaram e sonharam, um lugar pra chamar de lar, um planeta pra amar, um lugar para sempre lembrar. De terra e mar; beber da água do rio pra sede saciar, ir para onde quiser e sem nenhum papel a nos condicionar. Novamente a voz prevalecerá. Temos uma vida pra amar.

Impressões sobre o tempo.

Tudo está se apagando, ruindo. O tempo está a engolir todos que ficam ao seu redor... De que tempo eu me refiro? O tempo dos humanos?
Tenho algumas impressões sobre o tempo. Um dia, quem sabe, elas se tornem certezas e minhas impressões param de me perseguir. Ainda estou sendo seguido, perseguido por ele - o ponteiro não cessa de funcionar! Maldita construção: o tempo.

sábado, 6 de novembro de 2010

Open your eyes

Ela abriu os olhos - realizada - e viu um teto estranho. Teto que julgou devesse ser reformado. Olhou para o lado, e ele ainda dormia, com um leve sorriso de satisfação no rosto e a mão sobre o ventre dela. Com todo o cuidado, ela levantou-se da cama. Pisou num tapete macio, azul - que parecia veludo - pegou uma camisa dele e entrou no banho. Ao sair, de cabelos molhados - e molhando a camisa, sentiu um forte e agradável cheiro de café recém feito; o cheiro infestava a casa. Olhou para a cama e dessa vez só encontrara o gato, Bola de Meia. O animal não pensou duas vezes quando pulou no colo dela, pedindo cafuné e chamego. Ela aceitou e reconheceu os motivos de ele nunca ter se desfeito daquele bichano. Sentou-se na cama, e no chamego viu ele subir com um café na mão. O cheiro de café se misturava ao cheiro do shampoo, do cabelo dela.

Ela tocou a mão dele, em busca da caneca: mão quente, passando o calor. Ele tocou a mão dela, deixando a caneca: mão fria, buscando calor.

Nesse momento, os olhos se encontraram, a luz que refletia naquele verde se tornou a mesma luz que refletia nos castanhos dela. A boca dele procurando o cabelo molhado dela, enquanto a boca dela procurava a caneca quente de café dele. O cheiro de café se confundindo com o cheiro de shampoo; misturados.

A mão dela agora é quente, a mão dele agora é fria. O tapete no chão ainda é macio, mas mais macio é o Bola de Meia se enroscando nas pernas dela. A luz que estava lá fora se vai. As pequenas gotículas que choram do céu escurecido são transparentes e refletem a magia do momento: o sorriso transparecendo nos olhos brilhantes.

O café acaba, ele desce. Bola de meia a empurra para a cama, e ronrona no afago. Ela aceita, e, de cabelos molhados – sentindo o cheiro de café - entra no banho. Sai com a camisa dele, molhando-a. Pisa no tapete macio, azul, que parece veludo. Com cuidado, deita-se na cama. Olha para o lado e o vê, de olhos abertos. Ele coloca a mão no ventre dela, e fecha os olhos com um sorriso de satisfação. Ela olha para cima, pensa na reforma que deveria ser feita naquele teto desconhecido, e fecha os olhos - realizada.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Um primeiro encontro


A liberdade em que as pessoas acreditam que vivem não existe. Desde os primórdios a humanidade esteve em transe sob a sombra da luz. Há uma terrível sombra que os mantém caverna adentro, a qual se chama medo. O medo - por vezes - age de maneiras sombrias correndo pelas espinhas. Paralisa. Atordoa. Alienia. Atrofia. E por fim, mata. Mata, mesmo que a sobrevida permaneça. Desconhecem a vida pensando temerosamente na morte. Sois essa a vossa sorte! Do contrário, quais sortes senão a morte? Aqui começa o tal recorte da ausência de nossa sorte! Há apenas a dita cuja da Fortuna que com azar e sorte nos importuna. Tão pequenos vós sois que essa história contar-lho-eis depois.



E foi assim, que os contadores cantores - cegos eram - contaram cantando os dizeres do primeiro encontro com a gigante Aldebaram.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Sidarta!

Sidarta está prestes a partir e não sabe quando volta.
Com toda a sinceridade, resumindo sua expressão, não sabe se volta.
Por que deveria voltar?

A busca dele não é única.
Não é nova.
Não é de todos.

O que ele procura, muitos já procuraram.
Poucos - verdadeiramente - encontram.
Pouquíssimos, eu suponho.
Mas, diz ele, não custa tentar.

Percurso tortuoso, respostas sinuosas, tautologias mil.
A objetividade das respostas, isso Sidarta bem sabe, não será encontrada.
Sua procura é outra.

Vá, Sidarta, vá!

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Imensidão


Ponho-me a refletir ao passo que projeto meu corpo para trilhar sobre as linhas férreas que conheci desse país; elas levam-me ao longe, mesmo que meus pés estejam de fato cravados ao chão. O emaranhado de trilhos carrega meu pensamento pelo chão extenso até a Amazônia e os seringais. Terra que carrega um tesouro, e berço da estrada de ferro; peregrino até a Amazônia para que consiga encontrar-me dentro de meu próprio ser.