domingo, 30 de dezembro de 2012

SEM-TETO (para Mário Quintana)

Se no verso do poeta
"Amar é mudar a alma de casa"
Por certo
Sou agora sem-teto

Marta Magda
(Dezembro 2003)

DE MÃOS, BEIJOS E CORPO...

Gostava de tuas mãos
Gostava de teus beijos
Gostava do teu corpo sobre o meu
Gostava de te ver...

Não era gosto
Era bem-querer

Gosto de lembrar de tuas mãos
Gosto de lembrar de teus beijos
Gosto de lembrar o teu corpo sobre o meu
Saudade, gosto de dor

Não é gosto
É amor

Marta Magda
(Novembro de 2003)

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Queria...


Queria dar-te o céu
Com seu infinito azul
Suas estrelas a pulsar...
Se eu pudesse
Dar-te-ia o universo
Verso por verso
Frente e verso!

- Bianca Velloso -

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Chamado



O Poeta do Exílio
Anda mesmo 
Exilado do próprio exílio
Volta, poeta querido!

- Bianca Velloso -

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Menino Deus



Numa tarde em que busco
Apenas acolher a solidão
Vem um menininho iluminado
E me traz inspiração!

- Bianca Velloso -

sábado, 22 de dezembro de 2012

Do passo ao voo



Quando foste embora
Primeiro eu chorei
Desesperei-me
Quase despenquei

Depois arrisquei passos
Num caminho estranho
Imbuída de uma racionalidade duvidosa

Até que apareceste
Novamente...
Que alegria!

Pensei que ficarias...
Que nada!
Foi só pra pisar
E maltratar...
Doeu! E muito!

Mas foi exatamente aí
Que descobri
Que posso voar
Que posso ser eu,
MULHER,
Independente, intensa
Densa, deusa, criança

Hoje sou
Aquela que dança
Sem nem saber dançar
Que ri, canta
E faz versos
E encanta

Loucura que liberta


- Bianca Velloso - 

Ah, o amor!



Recebi de presente esta frase:

"O amor é um pássaro rebelde: não aceita gaiolas".

Então respondi:

Tenho um coração escorpiano,

Tinhoso que só ele!

Não me obecede nunca!

E desconhece a palavra calma.

Resolveu, por conta própria, alçar voo.

Voo kamikaze? Talvez sim...

Enfrenta a razão com uma coragem

De dar inveja ao mais destemido guerrilheiro!

Fico eu aqui com um frio na barriga...

E um medo sem tamanho!

Mas é tão bom...

- Bianca Velloso - 

sábado, 15 de dezembro de 2012

DES-ILUSÃO

Desenho
De um sonho
Virado
Em borrão

Marta Magda

(Janeiro de2004)

Adivinhações

Casa
Ria

Piada seria
Ou zombaria?

Pergunta
De moço:
Casaria?

O amor
Muito mais queria

Pergunta
De moço:
Casaria?

Tanto faz
Só ria...

Marta Magda

(Janeiro de 2004)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Nudez


Acontece de repente
A sensação de estar nua
Muito mais liberdade do que vergonha...
Escrever é despir a alma:
Misturar Deméter com Afrodite...
Delicadeza incandescente!

Bianca Velloso

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Idéias esparsas, um monólogo coerente

Dentro de uma caixa, uma glória. Era Pandora, em meio à multidão, uma caixinha de surpresas. Na Ágora, Platão desafia Aristóteles, professor do grande Alexandre, e assim se pronuncia: Vamos por pratos limpos à mesa. Haja franqueza!, o coro se manifesta. Em festas, as fraquezas. Bem, as fraquezas... Voltemos ao ridículo, falemos do cubículo (ou da caixa) e não precisamos nos apresentar ou mostrar currículos. Falemos. Sem dar voltas, evitaremos andar em círculos. Chega de redundâncias! Diriam que isso é demasiado humano; supõe-se que haja, por sua vez, certa dose de ganância. O perfume, um romance qualquer, não nos oferece contexto ou alguma fragrância. E quem disse que seria tão fácil assim? Desviamos os fatos, gritamos aos montes, e continuamos repudiando toda qualquer espécie de rato!, assim como Dyonélio modernamente nos alertou. Esquecemos de Cairos, inimigo de Kronos, aquele que desconhece aquilo que se crê como condição sine qua non para a vida: a rotina, uma droga tão pesada quanto outras que terminam com a sílaba ína. Tudo o que se aprende é bônus. E o que se perde? Certamente - e aqui se emprega uma terminologia tipicamente kafkiana: alguém certamente havia denunciado Josef K! - se ganha, uma vez que as experiências estão cada vez individuais e singulares, o que confere a elas um caráter que transita entre a ambiguidade musical do ser e a realidade corroída pelo Tempo. 

domingo, 9 de dezembro de 2012

O MEU JARDIM

Imagem: Camille Monet et l'enfant dans le jardin - Claude Monet


Gosto de olhar o eu jardim.
Ali tinha havia um pessegueiro sempre florido. Agora é construção.
Ali tinha um ipê amarelo. Agora é um belo canto de sonho e ilusão.
Ali tinha um ligustro. Fui eu que o plantei. Cresceu demais e foi condenado. Coitado.
No meu jardim. As crianças são sempre crianças.
Fiz-lhes uma casinha. Depois uma maior aqui. E outra maior para elas.
Como crescem as crianças

Mal ficava pronta uma casinha, já não cabiam mais dentro dela.
No eu jardim tinha uma laranjeira. Surgiu ali desde pequena.
Dava muitas laranjas de graça. Um dia secou. Nunca reclamou.
Se árvores têm alma, deve estar não céu.
Cobri-lhe com as flores de uma trepadeira. Como um véu.
A esta hora sopra uma brisa de acalanto.
Sempre foi lindo o meu jardim, mesmo sem qualquer trato.
Nele andam fantasmas a sorrir e contando histórias em cada canto.
Guardo muitos pedacinhos delas dentro do porta retrato.
Sento-me no meu jardim a olhar para cima.
Vejo as andorinhas com seus voos errantes
Mais adiante, por entre um céu azul, imagino no infinito, alguém sentado a perguntar:
“Haverá mais alguém por aí?” E respondo: Sim.
Eu e tu estamos aqui.
 
Adelino Miranda - 1987

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Sobre as formas de narrativa





A narrativa em terceira pessoa tem a gravidade das verdades e das certezas. Vem carregada de rigor científico, da formalidade acadêmica.  Tem o cheiro asséptico de texto jornalístico. Esta forma só tem graça mesmo nos romances, quando as certezas e incertezas do autor se decompõem nas personagens da história.

Ao contrário, o texto escrito em primeira pessoa é informal como uma conversa, tem a leveza da trivialidade, da transitoriedade. O autor confronta verdades, sentimentos, incertezas, assume sua parcialidade, torna-se mais próximo do leitor.

O grande barato da literatura é tirar o leitor da zona de conforto: textos que desestabilizam, que questionam certezas... Textos que desafiam, que levam o leitor a repensar verdades. A escola formal não ensina a questionar o que está escrito nos livros, pelo contrário, ensina a aceitar tudo como verdade incontestável. 

Há quem diga que escrever em primeira pessoa só serve para exaltar o ego. Não é verdade! Escrever em primeira pessoa é mais simples, mais humano, menos pretensioso e mais convidativo à crítica, uma vez que deixa explícito que se trata da opinião do escritor.

Tudo bem, este texto está escrito em terceira pessoa... Mas a intenção aqui não é ser verdade absoluta,nem trazer certeza alguma, o que ele – o texto – mais quer, de verdade, é ser questionado. Além do mais, seu único objetivo é provocar o revisor!

Bianca Velloso

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A defesa do poeta

Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto

Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim

Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes

Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei

Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em criança que salvo
do incêndio da vossa lição

Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis

Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além

Senhores três quatro cinco e Sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?

Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa

Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.


Natália Correia

Menino Poeta

Ah, menino poeta!
Tu que transitas no mundo das descobertas
Dos entendimentos filosóficos
Dos grandes acontecimentos...
Tu que tens no olhar, ao mesmo tempo,
A vivacidade de menino aprendiz
E a melancolia de velho cansado...
Não espera mais! Não deixa a vida passar!
Vem celebrar a vida, inventar o riso...
Experimentar a energia da Afrodite
que vive em mim...
Essa força que me transborda
Em fogo e intensidade!
Que me transforma e me inflama...
... a chama que te chama...
- Vem!
Quero sentir teu corpo, tua pele,
tua masculinidade forte e delicada!
Te proporcionar espasmos de alegria e prazer...
Quero teu tudo e teu nada!
Quero adormecer ao teu lado
E reinventar a loucura, a doçura, o amor...

Bianca Velloso

sábado, 17 de novembro de 2012


"Lo que me gusta de tu cuerpo es el sexo. 
Lo que me gusta de tu sexo es la boca. 
Lo que me gusta de tu boca es la lengua. 
Lo que me gusta de tu lengua es la palabra."

Julio Cortázar

sábado, 10 de novembro de 2012

Semiótica do amor

Na calada, o frio. Há pedaços de mim que clamam. Em uma viela, o encontro com o acaso. Na confusão das línguas é possível encontrar calor. Envoltos no caos linguístico, a paixão toma forma, apesar dos ventos contrários. Alienados, na calada, mudam-se para a pátria nascente da ordem e do progresso. A revolução do proletariado é ínfima quando equiparada ao amor pequeno-burguês.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Intensidade


O medo paralisa e a ansiedade atropela
Hoje cá estou, assombrada por estes sentimentos...
Calafrios percorrem meu corpo...
Arrepios... Movimento...
O que será?
Melhor não pensar...
Viver, deixar acontecer...
Ousar?
Melhor escrever, serenar...
Acalentar a parte boa dessa confusão que faz a vida valer a pena...

Bianca Velloso

13/10/2012

terça-feira, 30 de outubro de 2012

O Peixonauta e os devaneios de uma mãe esquisitinha



Faz pouco tempo que minha filhota descobriu o “Peixonauta”. Inspirado no cinema noir – apesar de utilizar cores vibrantes – é um desenho animado que narra os casos misteriosos do detive “Peixonauta” e de seus amigos Marina (uma menina) e Zico (um macaco). Muito bem produzido, sem nenhum tipo de violência, valoriza a preservação da natureza, a amizade e a solidariedade. É lindo. As músicas me soaram bastante familiares, até que resolvi pesquisar e descobri que se trata de uma animação 100% brasileira. Pronto, era o que faltava para que me apaixonasse de vez. Agora estamos as duas, mãe e filha, viciadas no “Peixonauta”.
Antes, porém, de me deixar encantar pelo peixe que voa e vive fora d’água protegido por sua roupa de astronauta, pensei com a cabeça de adulto: “Meu Deus! Que viagem! Como pode uma mente ser criativa assim a ponto de inventar um peixe com roupa de astronauta?! Por que isso?! Não podia ser algo mais simples?! Ô mente fértil essa, não?!”
Aí lembrei que também tenho meus delírios...
Às vezes até consigo fazer com que algumas pessoas embarquem comigo, mas a maioria fica me olhando com cara esquisita – para essas eu devolvo o olhar esquisito e tento imaginar o que estão pensando de mim, de certo pensam que uso drogas, que sou maluca, esquizofrênica ou sei lá o quê.
Juro que é tudo da minha cabeça, nunca li sobre isso, nem fui pesquisar... Gosto de embarcar nesta viagem como gosto de imaginar que ela é autêntica, inédita... Mas deve haver outros malucos como eu que viajam na mesma sintonia... Existe uma parte da óptica física que determina o mínimo e o máximo visível, quer dizer que o olho humano tem suas limitações. Alguns equipamentos (como microscópios, telescópios, satélites e afins) conseguem ampliar nossos limites visuais, mas ainda assim existem espaços que a humanidade não consegue visualizar – e talvez nunca consiga – principalmente no mundo macroscópico.
Penso na grandeza do Planeta Terra e na nossa pequeneza diante do Universo e ao mesmo tempo penso no mundo microscópico, naquilo que não podemos ver a olho nu, em cada componente das células que formam o corpo humano, nos microorganismos que vivem no interior do nosso corpo... E penso nas doenças que são produzidas quando há um desequilíbrio orgânico: a cândida, por exemplo, é um microorganismo que compõe a flora vaginal, quando o ph deste meio fica mais ácido, este fungo multiplica-se demasiadamente causando a candidíase. Outra analogia que pode ser feita é com o câncer. Segundo o Dr. David Servan-Schreiber, todos nós temos células cancerosas no organismo, mas nem todo mundo desenvolverá a doença. Em algumas pessoas, por algum motivo que a ciência ainda não consegue explicar, estas células se proliferam e se transformam de forma que originam os tumores, novamente remetendo a um desequilíbrio sistêmico.
Se tudo isso acontece dentro da gente, e se pudéssemos olhar para o nosso organismo do ponto de vista das células ou dos microorganismos, provavelmente este seria infinito... Então, quem garante que o universo é mesmo infinito? Não seria o Planeta Terra uma célula de um organismo muito maior? Um órgão talvez... E por tudo o que tem acontecido por aqui – a maneira como temos tratado o lugar onde vivemos, o desmatamento, a exploração econômica, desigualdades sociais, a falta de solidariedade... – não seríamos microorganismos multiplicando-nos de maneira desordenada, deixando doente este organismo denominado Universo? E as catástrofes naturais talvez sejam reações a algum fármaco ou outro tipo de tratamento que o Universo está fazendo para se curar.
Muita viagem da minha cabeça? Será uma hipótese possível? Não sei... Mas gosto de me perder nestes devaneios de vez em quando... Não gosto da ideia de que a humanidade é superior a tudo o que existe, nem de que nossa existência é de uma superioridade incontestável. Depois que descobri o peixe-astronauta resolvi não esconder minhas fantasias, meus devaneios... Existe gente com a mente muito mais fértil do que a minha e que não é considerada maluca, pelo contrário, até ganha dinheiro com isso! Aliás, a maternidade me permitiu ou me trouxe de volta a capacidade de exercitar as fantasias... Ao lado de uma criança deixamos a imaginação fluir... E é delicioso ser ridículo com os filhos. Pensando bem, eu não posso permitir que a razão estrague minha fantasia de estar vivendo dentro do corpo de alguém, mas adoraria que o “Peixonauta” me ajudasse a desvendar este mistério!

Bianca Velloso

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Luccas and me


I write to you because you don´t reply to my messages. I haven´t seen you for ages. Perhaps because until this moment you were hidden or could not be seen from where I stand. I can´t stand that. Talking isn´t always my scene and this doesn´t help much. Who helps? I am not a kind of person who wants to be different or extraordinary. I only wish I could be more sincere to you. I am not dishonest at all, but I feel like not being totally honest with you. It isn´t anything to do with money. Some quid can only build up empires. I do not want to build empires, to put myself into walls and wear black lies, I mean, ties. I would like to live in an open sort of place, where people would have an open mind. I am not saying equal beings if this means to you an open mind. This is different. Again, I am far from you. Many distractions. The sun invites us to an absurd life. It isn´t necessary to kill an arab as an algerian did. There are only few rules. This game is endless. There isn´t any language as it is proven how harmful a word can be. Just feelings and gestures. As you get older you loose some hair and, as a sort of reward, you get more experience, which is fair enough. You cannot always get the best of both worlds. Travelling towards a peaceful place where I left my soul. There, the past is a detail. The future is a fib. There is only the present, now. Now, I write to you this in order to invite you to find me in this place. If you think carefully, you might find me in no time. I hope to see you soon, Luccas.

3rd of October 2012.

sábado, 6 de outubro de 2012

Tears and saints

"Is it possible that existence is our exile and nothingness our home?"


Emil Cioran, Tears and Saints

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Kafka

<<... o verdadeiro caminho passa por uma corda que não está estendida no ar, mas quase ao nível do solo. Parece mais destinada a fazer tropeçar do que a ser percorrida...>> 

Franz Kafka.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Um conto sobre a pesca

Outro dia, ainda em 2012
Apesar do frio, nada de peixe ainda. Os ânimos já se exaltam e as notícias
dão conta de duas graves desavenças no mar. Falam em troca de foguetes
entre barcos que disputavam o mesmo cardume.
É triste ver os semblantes abatidos. Homens de cenhos cerrados de olhos no
mar, com os ouvidos  prontos para o alerta dos olheiros. Esses últimos,
velhos (e têm que ser, pois são os que enxergam o peixe embaixo d´água do
alto das rochas, perto da cruz )que deveriam estar perto de um fogão à
lenha, mas estão em seus postos ,tiritando e rezando em voz baixa.
Quando chega um barco, as pessoas correm para o trapiche. Pode ser que
esse tenha tido sorte - não entra nas cabeças  locais, que não se trata de
sorte apenas, mas de tecnologia, pois  embarcações maiores, equipadas com
sonar, estão voltando carregadas. Mas eles preferem se esconder atrás de
frases do tipo: meu avô sempre pescou assim e sempre deu certo, por que
deveria eu mudar ?Então, ao se aproximarem mais do canal, a ponto de verem
os semblantes dos embarcados, o desânimo volta ante a  tristeza expressa
nos mais velhos, e a revolta nos mais novos.
O engraçado é  que quando chegarem os peixes, o padre, que nunca vi
ajudando a remendar uma rede ou tirar água de um bote, vai rezar missa na
praia e dar um jeito de dizer que a responsabilidade da pesca ter sido boa,
é das orações feitas na sua igreja. E claro, das doações. É o mesmo papo de
sempre: puxar a tainha para minhas brasas.
É a chegada anual dos abutres.
Primeiro o clero, fantasiado de púrpura, com a cruz, o turíbulo e os
meninos de branco cantando baixinho. Sob o manto da caridade, as maiores
tainhas são desviadas para a igreja. Nem os caras do caminhão frigorífico
se atrevem a dizer não aos peixes do padre.
2012 e essa instituição de assassinos, ainda mantém sua influência e sua
espada suspensa sobre as comunidades mais primitivas. Eles temem que Deus
não lhes forneça mais o alimento do mar, se não alimentarem os inúteis
servidores daquele se proclama o vigário de Cristo na Terra.
Depois chegam as velhas, se empurrando e empurrando os outros aos gritos,
exigindo aquilo que acham ser seu direito só por serem velhas. Normalmente
trazem as meninas mais crescidas com elas. É quase uma oferta de troca:
minha neta pelos teus peixes.
Nada de novo, pois já a cândida Eréndira  teve uma avó assim. Realmente
não é de se estranhar que em breve veremos essas mesmas meninas se trocando
por um baseado, uma carona ou uma prenda qualquer. 
Esses dois grupos são os piores, uma vez que escolhem o que levam. No
entanto não costumam demorar,  de formas que acabam sem atrapalhar muito.[
Isso sem contar que sempre ficam um dou dois nos porões - a postos, com os
olhos para cima, no aguardo do pagamento-enquanto uma garota de nome
impronunciável, entra de vestidinho no barco, para escolher os peixes.]
Como sabes, também sou defensor da prostituição. As prostitutas, além de
espalharem prazeres, cumprem um papel social. Defendem a virtude das moças
casadoiras, dos tarados que existem pelo mundo. (gente como uns e outros,
por aí, que eu conheço).
Mas antes que me perca, volto ao trapiche, pois é ali que se dá o ato
final.
O povo cerca o trapiche. Uns querem olhar apenas. Outros querem filmar,
fotografar e comentar. E há os que querem alguma vantagem, seja em peixe ou
bebida.
O fato é que a multidão quer chegar perto, então deixa apenas um corredor
estreito para as caixas. Se trabalha, tendo que vencer obstáculos, tendo
cuidado com uma criança aqui ou um vira latas ali. Chega uma hora que o
peão se irrita. E é irritante mesmo ter alguém na frente, atrapalhando o
andamento do serviço.
Depois quando um cara, exausto, com fome, com sede, com frio e já tendo
visto seu quinhão diminuir, indo parar nas mãos de quem não fez nada para
merecê-lo, atira uma caixa cheia em direção aos pés de um curioso, o chamam
de grosso.
Procuro me manter afastado, afinal nem gosto muito de comer peixe.

Mestre Jonas.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

poema para um amor bobo

poema para um amor bobo

para te escrever
pedi ajuda ao velho barreiro
pois esperar a inspiração da primavera
é tempo demais
e tempo demais já passou
no rádio jazz
goles no gargalo
para o poema de amor que virá, ou que já está aí
assim, sem métrica e sem rima
apenas com vontade
o que acontece que só te vejo sob a luz do sol?
quero te ver sob o luar
amanhã não tem lua
não importa
vamos passear?

Camilíssima
lua nova deste agosto

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Por nós (o sonho que não será realidade)

Nós somos fortes como a chama acesa,
e o motivo da sua beleza,
somos o sol que lá no céu desponta,
e mais...

Somos o povo que um dia acorda,
e com força vai e rompe a corda,
somos a gota d'agua que transborda,
e mais...

Nós somos o vento que flui das montanhas,
que na sua alma se entranha,
e mesmo que a gente perca, a gente sempre ganha,
e mais...

Nós somos um vinho já envelhecido,
e um povo amadurecido,
que cresceu, viveu e vai morrer,...
por nós.

Osmar L. Neves

18/11/1980

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Canção do vento

O vento levou,
levou seu sorriso,
seu resto de vida,
sua alma, sua dor.

Eu quero essa cor,
que cobre o seu rosto,
que leva e me traz,
e me enche de amor.

Os corpos se unem,
mas as almas divergem
e gritam chorando de dor.

Eu quero essa flor,
essa flor que é tua alma,
que em outrora da tua vida,
na minha vida brotou.

Amei isto tudo,
sua alma,
seu corpo,
seu jeito de amar,
que o vento levou.

Agora eu imploro,
imploro ao vento,
que traga o passado,
pra a você voltar.

Na vida das vidas,
no sonho dos sonhos,
nas noites de luar.


Janeiro de 1976.
Osmar L. Neves

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Quero ajudar

Quero ajudar a construir o mundo futuro
e colocar a minha pedra
no lugar exato e na hora certa:
Quero conter a pressa de ajudar,
deter os passos vãos e as mãos sôfregas,
ordenar minhas paixões de desajustes,
ser vigilante, compreensiva,tenaz.
Deixar no grandioso edifício a minha pedra
com a mão segura para que ela não vacile
e role nos espaços, tombando com um ruído soturno,
feita escombro, antes de ser coluna..
Quero deixar segura a minha pedra
Altos frisos a revestirão,
esculpidos por sábias mãos alheias.
Mas, pequena e anônima, direita e firme,
ela estará lá dentro ajudando.
Quero ajudar a construir o mundo futuro,
o mundo sem fascismo e sem miséria,
luminoso, rasgado, justo.
Quero permanecer aberta
e colocar a minha pedra
no lugar exato e na hora certa.

Maura de S. Pereira

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Divinas barbaridades

Foste criado sem pai. Quanto à sua mãe, dizem que foi virgem. Cresceste à época do Império Romano. Bebeste cálices de vinho e dividiste um pão entre muitos. Foste, como teus irmãos, traído. Alguém era preciso trair para que tu pudeste ser proclamado filho do Soberano. Cometeste um atentado contra à vida; foras, assim, libertado. Fizeste aquilo o que teu solitário Pai consideraria heresia. Mesmo assim, proclamam-te como aquele que nos libertou. Como legado, deixaste a moral para conduzir teu povo, a descrença na materialidade do ser, dúvidas naquilo em que deveríamos fazer. Aqueles que ousam padecer n'alguma cruz, tal qual tu fizeste, para se tornar alguma espécie de martírio, estão sujeitos às pedras que possivelmente serão lançadas pelos teus fiéis pecadores. Provavelmente os mesmos que outrora contigo fizeram. Fúnebres passagens - arcas, anjos e outras tantas barbaridades - são documentadas em um livro chamado de sagrado. Em teu santo nome, guerras e destruição. Decretaram a morte do teu pai - em meio àqueles que te mal diziam, um corajoso alemão decretara aquilo que já se sabia: nós, nossos valores e nosso criador nascemos tortos. Seres imperfeitos, cadáveres ou, por assim dizer, nascidos mortos. 

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Considerações sobre o mesmo evento ilusório

Aurora neste caso específico é um nome próprio. Se fosse sinônimo de amanhecer deveria ser muito especial para merecer um texto. Ademais, raramente os tenho visto. O que digo é sobre uma moça, amiga minha, que me veio visitar na tarde de hoje sob o intuito de atravessarmos uma trilha em direção a uma praia vizinha.
A tal trilha era no meio de um mato alto, em boa parte do percurso, e subia um belo de um morro, e somente atrás deste podíamos avistar a praia vizinha: a praia da galheta. Bem, Aurora é uma bela moça de pele branca, boa altura e cabelos escuros e cacheados. Adora esse tipo de atividade. O que ela não previu enquanto planejou a aventura foi o mau tempo que encaramos. Quando iniciávamos a trilha havia sobre nós um sol respeitável, porém o acompanhava um vento forte e traiçoeiro. Não tardou para que caminhássemos sob água e sobre lama. No entando, isso em nada diminuiu o prazer da caminhada. Observamos paisagens lindíssimas, experimentamos uma fruta, uma espécie de goiaba em miniatura – chamada Gabiroba. E, de maneira pessoal pudemos experimentar um contato muito pessoal com a natureza circundante. De quebra, na volta conhecemos o Bento. Um jovem falante e bem humorado que nos narrou algumas histórias daquelas matas. Coisas sobre antepassados de alguma cultura indígena e alguns lugares ritualísticos.

Aurora veio
e finalmente começou o dia
atravessou a mata
a chuva e a lama,
e também muitas pedras
pedras grandiosas, inclusive.
depois da aurora fez-se noite
e ficou a sensação
de alguma ausência.


*Qualquer semelhança com algum nome citado no texto não passa de mera coincidência.

terça-feira, 29 de maio de 2012


"Confidência"


Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No úmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome

 Mia Couto

quarta-feira, 9 de maio de 2012

O ser e a roda

Apesar de afirmarem que a roda é uma criação humana, as forças naturais contestam. Estás enganado, diriam. Retrucam diretamente e com pouca eloquência. Dizem que a invenção da humanidade ou da roda são apenas distrações e que pouco importa saber quem os criou. O mistério está contido na simplicidade do funcionamento dos mecanismos: Se giras, ela gira, nós giramos. É preciso chamar a atenção para a existência de diferentes caminhos, caminhos de todos os tipos, por onde se pode passar. Também existem atalhos, mangues e detalhes. Os primeiros giros são tortos. E a caminhada é longa – dizem que duraria uma existência para perceber que o elemento causador da mudança é a erosão. Vai, vem, vai e volta. Retornos pelo um mesmo caminho feitos de forma diversa solidificam aquilo já consagrado como eterno: a roda gira.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Mais nada

Aspirantes inspirações seriam digitadas. Um dia elas foram datilografadas e um pouco antes escritas. Todas elas sentidas. Vestidas, enfeitadas e com tudo o que tem direito. E o que tem de esquerda. Criadas por alguns poucos. Politicamente incorretos. Abertamente aspirantes. Declaradamente apaixonados, mal humorados. Amadores, vetaranos e vertebrados. Exílio dos alfabetizados, mal educados, sem modos, com rótulos. Mais nada.

sexta-feira, 16 de março de 2012

O teatro do absurdo

E se a vida
for um palco,
e se tudo em
que acreditamos
for absurdo,
e se as nossas
crenças forem enganosas,
o que será de nós?

E se tudo
que foi ensaiado
for em vão,
e se tudo
o que foi ensinado
estiver simplesmente
resumido entre
o sim e pelo
complexo não,
o que será de nós?

E se tudo
estiver acabado,
e se a cena do teatro
estiver acabando,
o que seria de nós se não existisse a paixão?

Aplausos.
Se a vida
for mesmo um palco,
gente entra,
gente sai,
há ainda muito a ser ensaiado:
A vida nos prega cada peça...

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Carta ao amigo oculto

Quando irrompe uma dificuldade,
no céu dos pensamentos
as idéias são como nuvens
e as emoções como tempestade.

Nessas horas em que o peito se aperta
e todo olhar ao redor é em vão
não há consolo, não há um ombro...
logo quando mais se precisa.

E se a vida fosse como o mar
a tristeza seria onda.

Mas também há aquele que socorre.
Que estende o braço prum corpo caído
e o suspende, e lhe presta auxilio...
que ausculta o peito ferido.

Pra este eu faço reverência,
Pois este diz o que ninguém tem coragem
em vez de se esconder...

E por mais que doa forte,
Seu dizer contém presença
de verdade.

E verdade é luz no céu dos pensamentos.



13-02

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O retorno de Melquíades

- What do you see when you don't see anything? (Deleuze)




Pela calçada que tantos andastes, agoras deslizas pela esperança branca que sobrepassa o cinza-esquizofrênico e a negra desilusão transmitida no dia-a-dia doentil e endêmico. As cores da vida são frutos de Kairos. As cores da morte são divindades de Chronos. Adiciona-se o branco no negro e obtém-se o cinza. O sobreviver como parte da existência. O sofrer quando necessário para a transcendência do ordinário. A descrença sofridamente sobrevive. A consciência é despertada: Aparício observa tudo enquanto toma um mate bem quente em seu paradeiro - já é suficientemente letrado para saber que cada exílio carrega um prazo. Acusam-no. Quem? Difícil de encontrar. Situam o conforto por desconhecer o exílio. Esquecem da renúncia. Diziam que não sobreviveria. Agora, depois de aproximar-se da amiga solidão, aguarda o retorno de Melquíades. Tornara-se, tal qual o amigo que está prestes a retornar, quase um cigano; sem a habilidade de prever o futuro, no entanto. (02.09.12)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Movimentos

Barbaridades civilizadas sugerem um entendimento barroco. O renascimento do individualismo feudal popularizou-se, expandiu-se e acabou se tornando democrático. Socializou-se a idéia de que o presidencialismo é uma anarquia só. Criaram, por sua vez, reinos e céus onde deuses supostamente governam com o auxílio de angelicais - nossos caros amigos ou amigos caros para nós? - parlamentares. Elementares governos. Desgovernados elementos. Clãs, grupos, ideologias e outras tantas formas de movimento. Em detrimento da essência, a nossa aparência é aparentemente construída pelos nossos detritos do ser... A ciência, uma religião pagã, comprova: a terra está em movimento, mas os que nela parasitam, digo, habitam...