quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Um conto sobre a pesca

Outro dia, ainda em 2012
Apesar do frio, nada de peixe ainda. Os ânimos já se exaltam e as notícias
dão conta de duas graves desavenças no mar. Falam em troca de foguetes
entre barcos que disputavam o mesmo cardume.
É triste ver os semblantes abatidos. Homens de cenhos cerrados de olhos no
mar, com os ouvidos  prontos para o alerta dos olheiros. Esses últimos,
velhos (e têm que ser, pois são os que enxergam o peixe embaixo d´água do
alto das rochas, perto da cruz )que deveriam estar perto de um fogão à
lenha, mas estão em seus postos ,tiritando e rezando em voz baixa.
Quando chega um barco, as pessoas correm para o trapiche. Pode ser que
esse tenha tido sorte - não entra nas cabeças  locais, que não se trata de
sorte apenas, mas de tecnologia, pois  embarcações maiores, equipadas com
sonar, estão voltando carregadas. Mas eles preferem se esconder atrás de
frases do tipo: meu avô sempre pescou assim e sempre deu certo, por que
deveria eu mudar ?Então, ao se aproximarem mais do canal, a ponto de verem
os semblantes dos embarcados, o desânimo volta ante a  tristeza expressa
nos mais velhos, e a revolta nos mais novos.
O engraçado é  que quando chegarem os peixes, o padre, que nunca vi
ajudando a remendar uma rede ou tirar água de um bote, vai rezar missa na
praia e dar um jeito de dizer que a responsabilidade da pesca ter sido boa,
é das orações feitas na sua igreja. E claro, das doações. É o mesmo papo de
sempre: puxar a tainha para minhas brasas.
É a chegada anual dos abutres.
Primeiro o clero, fantasiado de púrpura, com a cruz, o turíbulo e os
meninos de branco cantando baixinho. Sob o manto da caridade, as maiores
tainhas são desviadas para a igreja. Nem os caras do caminhão frigorífico
se atrevem a dizer não aos peixes do padre.
2012 e essa instituição de assassinos, ainda mantém sua influência e sua
espada suspensa sobre as comunidades mais primitivas. Eles temem que Deus
não lhes forneça mais o alimento do mar, se não alimentarem os inúteis
servidores daquele se proclama o vigário de Cristo na Terra.
Depois chegam as velhas, se empurrando e empurrando os outros aos gritos,
exigindo aquilo que acham ser seu direito só por serem velhas. Normalmente
trazem as meninas mais crescidas com elas. É quase uma oferta de troca:
minha neta pelos teus peixes.
Nada de novo, pois já a cândida Eréndira  teve uma avó assim. Realmente
não é de se estranhar que em breve veremos essas mesmas meninas se trocando
por um baseado, uma carona ou uma prenda qualquer. 
Esses dois grupos são os piores, uma vez que escolhem o que levam. No
entanto não costumam demorar,  de formas que acabam sem atrapalhar muito.[
Isso sem contar que sempre ficam um dou dois nos porões - a postos, com os
olhos para cima, no aguardo do pagamento-enquanto uma garota de nome
impronunciável, entra de vestidinho no barco, para escolher os peixes.]
Como sabes, também sou defensor da prostituição. As prostitutas, além de
espalharem prazeres, cumprem um papel social. Defendem a virtude das moças
casadoiras, dos tarados que existem pelo mundo. (gente como uns e outros,
por aí, que eu conheço).
Mas antes que me perca, volto ao trapiche, pois é ali que se dá o ato
final.
O povo cerca o trapiche. Uns querem olhar apenas. Outros querem filmar,
fotografar e comentar. E há os que querem alguma vantagem, seja em peixe ou
bebida.
O fato é que a multidão quer chegar perto, então deixa apenas um corredor
estreito para as caixas. Se trabalha, tendo que vencer obstáculos, tendo
cuidado com uma criança aqui ou um vira latas ali. Chega uma hora que o
peão se irrita. E é irritante mesmo ter alguém na frente, atrapalhando o
andamento do serviço.
Depois quando um cara, exausto, com fome, com sede, com frio e já tendo
visto seu quinhão diminuir, indo parar nas mãos de quem não fez nada para
merecê-lo, atira uma caixa cheia em direção aos pés de um curioso, o chamam
de grosso.
Procuro me manter afastado, afinal nem gosto muito de comer peixe.

Mestre Jonas.

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