quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Má sorte

Pra variar, reclamava ele de sua má sorte.

Quase nunca via o sol nascer, mas sempre assistia os primeiros raios do astro nas manhãs ensoloradas e pensava consigo mesmo "here comes the sun" e cantorolava o tchu ru tchu rup. Então se equipava e voava. O chão passa sempre bem pertinho de seus pés. O vento na cara, braços esticados e punhos cerrados. Mais um árduo dia de trabalho sob a luz escaldante do sol. Enquanto trabalha lá, ali, logo adiante, pensamentos mil lhe visantam. ...Ah minhas férias! Quando chegarem farei aquela viagem!...; ... Será que chove hoje?... ...Aquela jornalista se saiu mal ontem na entrevista que vez com a presidenta!rs... E assim, as horas iam passando. As mãos começavam a doer, os braços também e se lamentava "que má sorte a minha ter que ralar tanto, difícil é o caminho dos (as) justos (as), vou chegar atrasado de novo" enquanto olhava o seu relógio de bolso que tirara para observar as horas. O fim do dia ia chegando. Preparava-se para zarpar! Equipava-se de novo; primeiro a jaqueta, depois a mochila, as luvas e por fim o capacete. Era como um ritual. Como o cavaleiro que se prepara para a guerra. Hora de voar. Senta-se no trono de sua equina metálica. Como o tocar dos lábios no momento do beijo, dá-lhe a ignição e faz seu coração motor explodir! E saem apaixonadamente a voar! O chão passa sempre bem pertinho de seus pés! Não o vê nascer e nem morrer, mas acompanha-o se esconder por detrás das montanhas esverdejantes. As luzes da cidade se acendem e guiam-no na escuridão e antes que esta se faça presente vê lagoas, mangues, pássaros, arvóres, cada qual em seguindo seus caminhos enquanto ele faz o seu. E pensa "apesar da fodição do escravo moderno - (trabalhador) aquela bela dama, da Ordem das Ilusões, chamada Liberdade - posso agora desfrutar, nem que seja apenas tocá-la com as pontas dos dedos de uma das mãos seu belo e suave rosto o qual antes somente poderíamos olhá-lo escondido atrás de uma máscara" e nesse instante eis que surge diante de seus olhos, que um dia esta terra fétida há de comer, uma dama ainda mais bela e pergunta a ela:

- Quem és belíssima dama?
- Nem sorte nem azar, sou Fortuna.

... e nisso a roda que a Deusa carregava em suas mãos griou e enfim o Sol se pôs uma vez mais. Mas será que nascerá novamente?

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Matemática celestial

Era uma oficina que funcionava à noite.
A névoa caia naquelas noites escuras, repletas de criaturas circundantes;
E aquela luz distante era como uma estrela no chão. Perdida no breu noturno com seus sons próprios.
E dentro daquela ilha de luz, tinha música boa, água boa e coração bom.
As idéias eram esculpidas, através da linguagem, dentro de algumas normas gramaticais...
Passava a noite e também o dia. Às vezes mais. Vinha o vento e ia.
E o trabalho seguia. E de todas aquelas idéias mastigadas, cuspia-se o excesso com um pouco de seiva.
E o que sobrava... cozido era com a dor mais pura que havia.
Mas chegava um momento em que toda essa mistura e todo esse trabalho
Tornava-se poesia.
Agora sim poderia se desligar a luz e a oficina deixa de ser uma estrela no chão.
Uma estrela a menos, porém...
Um poema a mais.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Parciais

Nesse anoitecer eu espero que sim;
vou mergulhar nuns poemas velhos e empoeirados para sonhar, dentro dum sono profundo, sonhos confusos, assim, que me confundam profundamente e me façam acordar amanhã, diferente da maneira como despertei no dia de hoje.
Estou me jogando na noite longa, de punhos cerrados – como já é costume;
Mas de coração aberto.
E assim, como quem caminha e não olha pra trás,
Como quem se despede de olhos secos.
Esse sou eu,
Pelo menos na noite de hoje.
Patinando no idílico dos meus breves dias.

domingo, 11 de setembro de 2011

E a vida passa

- e a vida passa (O Coro)

Olhando pela janela da sala um belo dia depois da chuvarada.

- e a vida passa (O Coro)

Presa no meio do trânsito ouvindo música.

- e a vida passa (O Coro)

Criticando mundos e fundos na frente da TV sem fazer nada a respeito.

- e a vida passa (O Coro)

Planejando uma grande viagem.

- e a vida passa (O Coro)

Curtindo links, vídeos, fotos num banco de dados gigante.

- e a vida passa (O Coro)

Pensando em pensar me levantar e fazer alguma coisa qualquer.

- e a vida passa (O Coro)

Chorando sozinha na cama o passado nostálgico.

- e a vida passa (O Coro)

Lamentando os amores da vida que não poderei viver.

- e no corredor das escolhas descartadas passou o casal de mãos dadas junto ao seu filho. Eram A Vida, o Tempo e o Vento respectivamente, e olhando amorosamente o marido e o filho a quem via crescer dia após dia a mãe pensou...

- e a vida passa (O Coro)

O Fim do(s) Tempo(s)

o diálogo

- Oi! Eu sou o T E M P O Senhor de todos os Tempos!(proferiu o T E M P O em voz empostada ao desconhecido que ali chegou).
- Oi, eu sou o FIM.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Paixões Cotidianas

Os olhares se encontram e quase de imediato, dispersam-se. Era a vergonha. Ele tenta olhar de novo e, para sua surpresa, encontra os olhos dela olhando os olhos dele. Dessa vez dura um pouco mais, algo entre cinco ou dez segundos. Um período curto, é verdade, mas para ele pareceu eterno. Ele arrisca um sorriso e ela baixa o olhar. Ele não sabe mais o que pensar. Fica olhando e vasculhando as quinquilharias da lojinha fingindo algum interesse enquanto ela atende um casal que acaba de entrar. Será que valeria a pena ter perguntado o preço de alguma bugiganga só para puxar assunto? "Teria sim!" conclui enquanto procura a saída. Saindo ele se arrisca novamente: "Adeus, moça." com um breve aceno de mão. Ela responde mas, sem palavras. Ao invés disso com um monte de dentes cintilantes; com um sorriso. Poucas coisas são tão belas quanto um sorriso. Ele mal podia acreditar! Qual seria o nome dela? Quantos anos teria? Será que gosta de comida japonesa? De perfume? Seria fã de cinema? Fez as perguntas a si mesmo enquanto dava a ignição no carro. Tudo era felicidade e naquele instante ele só tinha certeza de duas coisas: a primeira era que ele estava apaixonado pela moça da lojinha de quinquilharias! A segunda era que não tornaria a vê-la.

Nota do autor: Texto um pouco antigo mas gosto dele, pois é singelo e bem sincero, para falar a verdade. É um presente ao aniversário do blog que foi alguns dias atrás.

domingo, 4 de setembro de 2011

Dos becos de sextas à noite


As danças e as bailarinas
chapinhando as sapatilhas nas poças
de água são feitas
e distribuem-se pela calçada.

A dançarina atravessa a rua
o ponto de ônibus está vazio
os carros passam indiferentes
buzinas tocam
dióxidos, monóxidos
carbono.

As placas indicam lugares
mas as direções são múltiplas
e multifacetada é a pedra que brilha em seu pescoço
O vento brinca nos cabelos
e os olhos estão arregalados
procurando o caminho no escuro do beco.

Tem amigos voltando na contramão
ela não se importa porque não é por eles que procura
Segue seu rumo e acha enfim o que seus olhos pediam
uma visão que inspira
olhos que fitam
decifram
e que depois descrevem.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Ex-pressão

(¨Ah, doutor¨, dizia, ¨gostaria tanto de aprender a me expressar¨. Falava disso a Rieux todas as vezes que o encontrava. Nessa noite, o médico, ao ver o funcionário municipal partir, compreendeu de repente o que Grand tentara dizer: sem dúvida, ele estava escrevendo um livro ou algo semelhante.) A peste - Albert Camus.




Alguma ex-pressão voltaria a pressionar toda uma vida a dois. E depois - bem, depois, bem depois... Ex-pressar uma idéia ex-pressa - ela que estava interiormente guardada em alguma parte desconhecida - em alguma forma de aprisionamento infinito ligado à laços eternamente acreditados como convictos e que já não mais são livres, atrofiados numa escravidão talvez experimentada apenas por ex-presos, aqueles que uma vez apaixonados já não mais serão livres, pode não ser tão simples. Ou talvez seja. É o preço. Nada mais é o que parecia. Não é o que parece - nem o que poderia ter podido parecer.

No fluxo caótico do sentir, há um derramamento contínuo na lacuna que d´antes não havia sido preenchida: Sim. É a reposta que antecipa a pergunta que será feita no que tange à essa relação - você está apaixonado?


E o que se derrama, além do gozo, é a paixão.