sexta-feira, 14 de outubro de 2011

As rochas

Não sei quais foram os motivos do acaso, ou do destino - que para mim são a mesma coisa - me fizeram querer sentar naquelas rochas mas, foi exatamente o que fiz. Sentei sobre as rochas que repousam à séculos no famoso Rio da Prata. Ali a solidão era absoluta e veio como uma boa e velha amiga a qual eu não via há muito tempo. Estranho, pois a solidão normalmente me parece algo pavoroso e que deve ser evitado. Mas não ali, não sobre as rochas. O único som que existia era o barulho das águas golpeando as rochas. Golpeando e recuando, golpeando e recuando, golpeando e recuando, tudo muito lentamente. Toda essa extraordinária situação me fez pensar; e pensei...

Pensei em meus vícios, erros e desilusões; pensei as cidades; pensei as viagens e no real motivo por trás delas - se é que existe algum -; pensei em todos os ibéricos que morreram ao longo dos anos naquele rio, naquela fronteira, naquelas rochas, e em todos aqueles que prosperaram graças àquelas barrentas águas; pensei em como o espanhol é uma bela língua, que sinto grande prazer em escutar, mas não o dos argentinos que vomitam as palavras em uma velocidade absurda. Prefiro a cadência dos uruguaios mas, belo mesmo deve ser o dos espanhóis como nos filmes, ou melhor, películas, de Almodóvar. Pensei nos amores antigos, nas novas paixões, e nos amores platônicos jamais realizados - os mais belos entre os anteriores -; pensei na solidão, na velhice e na eminente morte, e fiquei com medo. Parei de pensar. Resolvi que deveria fumar um cigarro. Sim! Ali me parecia um ótimo lugar para fumar um cigarro. Ascendi, traguei, e como preso por uma terrível maldição, voltei a pensar. Lembrei que certa vez um amigo me falou que o tempo de fumar um cigarro é de aproximadamente 7 minutos. Ele deveria estar errado pois aquele cigarro me pareceu eterno. Digo eterno pois essas coisas não podem ser calculadas em minutos, segundos ou horas. Ali o tempo dos humanos não importava e os relógios não passavam de meros brinquedos. Ali importava o tempo das outras coisas: do vento, das águas, do Sol, das rochas. As rochas me fizeram refém de seu tempo.

Quando acabei de fumar o cigarro eterno, e por mais que isso pareça contraditório, ele acabou; pensei em todos os seres - não só os humanos - que ao longo do "tempo das coisas" se sentaram sobre aquelas rochas e como elas não deveriam dar a mínima importância para isso. Para elas fui só mais transeunte, um passageiro, um viajante, apenas mais um que sentou e foi embora, assim como as águas que a golpeiam. Enquanto elas ficam ali, estáticas, imóveis, apenas sendo rochas. Bem sabemos que, diferente dos elefantes, as rochas não tem boa memória. Decidi fazer com que elas se lembrassem da minha passagem.

Deixei a bituca do cigarro eterno ali, sobre elas, e parti. Alguns dirão que depredei o meio ambiente, que agredi a natureza, ou coisas desse escalão. Em minha defesa argumento que fiz uma intervenção. Intervi nas rochas assim como elas interviram em mim. Troca justa. E que a bituca do cigarro eterno continue ali provando minha passagem, até que a chuva a apodreça; ou que o vento do Prata a carregue para lugares que minha mente nunca se quer ousou sonhar; ou então, quem sabe, até que as rochas virem pequenos grãos de areia na orla da praia, esses que nada mais são do que sombras das antigas rochas.

30/09/2011 - Colônia do Sacramento, Uruguai.

Pensado enquanto estava sentado sobre sábias rochas que não ligavam a mínima para minha existência.

Um comentário:

Tyche Fortuna disse...

Aprendi o segredo, o segredo
O segredo da vida
Vendo as pedras que
Choram sozinhas no mesmo lugar

Vendo as pedra que
Sonham sozinha no mesmo lugar