Afundei meus dessabores no fundo de um copo de cachaça. Sentada no bar, eu ainda podia sentir no cabelo o perfume barato daquele que fora meu acompanhante durante a noite. Provavelmente eu nunca mais veria seu rosto barbado, mas aquilo não me inquietava, queria mesmo era ficar sozinha com meu copo, lembrando e esquecendo as memórias que um dia foram minhas. Já não era mais a mesma, mas também não sabia quem seria. Por um momento senti-me invadida por um imenso nada; um vazio tão grande que corroía qualquer espécie de sentimento que um dia pudesse ter existido em mim. Não sei quanto tempo fiquei daquele jeito, imóvel. Presa entre a inércia de meu passado e futuro, meu presente era o momento em que me esvaziava de mim mesma.
Voltei a mim quando senti uma fisgada no ferimento em meu punho; ainda sangrava, mas o corte não poderia ter sido tão fundo assim. Foi a dor, como em tantas outras vezes, que me trouxe de volta a realidade. Mas eu tinha resolvido abandonar a dor e ignorei a ardência que sentia no punho. E então me lembrei do tango, minha nova vida merecia um tango.
Atravessei a cidade até chegar numa das poucas casas onde era tocado um bom tango e no caminho arquitetei minha mudança para Buenos Aires. Era na cidade argentina onde eu deveria morar a partir dali, era lá que minha vida começaria novamente. Ah! Se o tango falasse. Diria que me chamou naquela noite de outubro.