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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Transição

Afundei meus dessabores no fundo de um copo de cachaça. Sentada no bar, eu ainda podia sentir no cabelo o perfume barato daquele que fora meu acompanhante durante a noite. Provavelmente eu nunca mais veria seu rosto barbado, mas aquilo não me inquietava, queria mesmo era ficar sozinha com meu copo, lembrando e esquecendo as memórias que um dia foram minhas. Já não era mais a mesma, mas também não sabia quem seria. Por um momento senti-me invadida por um imenso nada; um vazio tão grande que corroía qualquer espécie de sentimento que um dia pudesse ter existido em mim. Não sei quanto tempo fiquei daquele jeito, imóvel. Presa entre a inércia de meu passado e futuro, meu presente era o momento em que me esvaziava de mim mesma.

Voltei a mim quando senti uma fisgada no ferimento em meu punho; ainda sangrava, mas o corte não poderia ter sido tão fundo assim. Foi a dor, como em tantas outras vezes, que me trouxe de volta a realidade. Mas eu tinha resolvido abandonar a dor e ignorei a ardência que sentia no punho. E então me lembrei do tango, minha nova vida merecia um tango.

Atravessei a cidade até chegar numa das poucas casas onde era tocado um bom tango e no caminho arquitetei minha mudança para Buenos Aires. Era na cidade argentina onde eu deveria morar a partir dali, era lá que minha vida começaria novamente. Ah! Se o tango falasse. Diria que me chamou naquela noite de outubro.

sábado, 26 de setembro de 2009

Enfim, apresento-me.


Recordo-me que falava do tango, sinto-me deveras emocionada quando me refiro a tal ritmo. O compasso do acordeom e a volúpia dos corpos rodopiando em meio ao salão me encantam.

O tango é o bater dos corações dos amantes em euforia, o êxtase supremo que escapa dos corpos e ganha vida em forma de som. Tão excitante quanto o orgasmo de mil virgens. Esse ritmo, para mim repleto dos mais sutis significados, segue o fluxo contrário dos demais sons. Sobe-me pelas coxas como as mãos de um amante fervoroso até chegar ao meu peito, aonde adentra minha carne e se instala em meu órgão pulsante.

Ao ouvir o tango revivo minhas lembranças, as quais escapam de minha memória e se postam frente aos meus olhos, como um presente momentâneo.

Vejam só, já estou eu novamente me perdendo entre os mais variados pensamentos sobre o tango. Prometi-lhes contar minha história, assim o farei, e começo pelo exato momento em que escolhi o meu nome. Não me entendam mal, não escondo aqui meu nome verdadeiro por não gostar deste, muito menos por vergonha daquilo que irei narrar, apenas acho que meu nome não combina com o tom que levei minha vida.

Naquela noite cortei meus pulsos! Sim, para mim é natural falar isso assim. Mas talvez minha calma ao anunciar esse fato se dê pela ausência do desejo de morrer. Pode parecer engraçado alguém cortar os pulsos senão para morrer. Replico dizendo que já me sentia vazia de vida antes mesmo de passar a lâmina pela minha carne. Suponho que quisesse lavar minha alma com sangue, já que o vinho não cumprira tal encargo. Nem mesmo a cachaça mais amarga apagaria minhas dores naquela noite.

Talvez a dor carnal diminuísse aquela entranhada em meu órgão vital. Mas, de fato, não cheguei a senti-la, ao ver o ferro atravessando as finas camadas de minha pele, hesitei. Prefiro entregar-me aos prazeres mundanos do que mutilar-me pelas dores que alguém plantou em meu peito.

Assim aconteceu, procurei o rouge entre meus pertences, corei minha face, apertei os lábios, soltei meus longos cachos e sai a procura de um macho que pudesse me preencher com sua virilidade. E foi nos braços de um belo exemplar masculino que matei a mim mesma, foi nos braços de um belo exemplar masculino que criei a mim mesma.

Agora eu era Cacilda B.

domingo, 30 de agosto de 2009

Tango noturno

Peguei-me a ouvir um tango um dia desses, confesso que tal ritmo faz minhas veias pulsarem com mais vigor. Lamento que não tenha aprendido, quando ainda jovem, a emaranhar minhas pernas as de um macho ao som de um bom tango; refiro-me à dança, logicamente. Sempre fui fascinada por ela, porém quando moça preocupava-me em me emaranhar em pernas de uma outra forma, e sempre fui boa nisso.


Agora reservo-me às lembranças da juventude, e aos sonhos que por vezes permito-me ter. Já que a dança, esta já não dialoga mais com meus joelhos. Desculpe-me o saudosismo, garanto-lhes que não sou uma velha rabugenta que culpa a juventude dos outros pela ausência da sua. O fato é que a juventude está no espírito e não nos joelhos, desta forma julgo-me jovem; mesmo que as linhas de minhas mãos e os traços do meu rosto insistam em negar tal sentimento.


Contar-vos-ei minha história, mas não esta noite. Esta noite entrego-me ao tango.