sábado, 21 de agosto de 2010

Da Escrita

O exílio foi longo mas estou devolta!Fico muito contente em descobrir que esse blog não parou e que os exilados continuam afiados como nunca! Impressionante como saem coisas boas daqui! Volto com um texto sobre um assunto que me agrada muito: o texto em si, ou a produção do mesmo.


O saudoso (e louco) Erasmus de Roterdã já dizia, em um de seus romances do qual não me lembro se quer o título, que: “Todo escritor, antes de ser um bom amante das palavras, é um grande mentiroso.” Palavras fantásticas para alguém que não passa de um mentiroso, não acham?

O fato é que, a arte de mentir (ou de escrever, se assim preferirem) não é uma grande calunia, ou terrível falcatrua como alguns moralistas conservadores devem pensar. Mentir é simplesmente construir uma verdade e essa, assim como a dona história prova muito bem, não precisa necessariamente ter realmente acontecido. Verdade e acontecimento são dois campos bem distintos. No entanto Erasmus não foi o primeiro a questionar o seu próprio ofício, Shakespeare nos fala em sua não tão célebre obra “A Tempestade”, que: “Tudo que está a sua vista minha cara filha, a ilha, o mar, os pássaros, as nuvens, o intrincado Sol, e o sereno céu; tudo isso agora lhe pertence e está tudo aqui anotado, em meu testamento, mas não considere este em demasia, afinal, são só palavras.” Próspero, Duque de Milão, falando a Miranda, sua filha. Tal idéia também aparece em sua célebre obra “Macbeth”, em um de seus trechos derradeiros (se a memória não me falha): “Essa é uma história idiota (ou tola) escrita para idiotas (ou tolos, o que lhe parecer mais adequado). Sábio e ousado era esse Sir. William, mas nem tão original pois, muitos anos antes, na remota Grécia Antiga, um grego careca e barrigudo já afirmara em plena praça de Atenas: “Como se pode fazer uma pergunta a um livro?! Só o autor e seu discurso são importantes, não as palavras amontoadas no papel!”(Sócrates, em algum dos diálogos Platônicos).

O que estou querendo dizer com tudo isso é que muitos autores ao longo da história da literatura já criticaram a arte de escrever (ou de mentir, se preferir), isso não é nenhuma novidade, no entanto muitos escritores ainda relutam em aceitá-la. Podemos citar até casos bem distantes e de estilos muito diferentes como Poe em “Os Sinos” ou Eco com “Não contem com o fim do livro” ou mesmo Durval Muniz com seu “História: A arte de inventar o passado”. Nadando contra a corrente podemos encontrar Borges que na verdade faz uma apologia a arte de escrever, mas esse argumento também não merece muito credito, pois se há escritor mentiroso nesse mundo, esse é Borges. Mestre da falcatrua, lorde da mentira, gênio sem igual!

Minto a mim mesmo dizendo que esse texto está pronto, e então, como em um passe de mágica, ele realmente está!

FIM.

2 comentários:

Luccas N. Stangler disse...

Vejo que o real está em crise. E, enquanto isso, a mentira - Da escrita - paira no ar...

Borges é um grande. Mentiroso ou não - gênio como foi falado - é um grande. Não sei (ou não tenho legitimidade para tal feito) se a escrita torna a quem escreve mentiroso ou quem é mentiroso escreve. Sei, apenas, que enquanto temos validade e prazo para a vida, a escrita sobrevive aos diversos acontecimentos..

Poeta do Exílio disse...

Os citados são, sem dúvida, grandes mentirosos. A mentira enquanto opositora da ética é sem vergonha (como muitas verdades) e nem sempre merece perdão (o cristão). Porém, cabe-me considerar que a mentira trági-comica, aquela dos tablados ou quem sabe a igualmente valorosa mentira narrada em romances que são deliciosas. E, nesse caso, mentir requer um talento especial, pois tem como pré-requisito a cumplicidade de outros mentirosos: aqueles que as lêem.