domingo, 29 de agosto de 2010

Redenção

O despertar de uma nova consciência é algo doloroso. Pelo menos para ele, ser desprovido de visão mais plena. Meticuloso, desconfiava constantemente dos que estavam a sua volta, no cerne, o medo de ser superado. Caminhava vagamente pelas veredas com medo de encontrar ser errante na estrada longa que acompanhava. Por onde vagueava, predominava um breu que dificultava um peregrinar sereno. Apenas uma luz semelhante a um lampião brilhava ao fundo. Esta concedia uma mínima noção da trilha turva pelo qual o peregrino seguia. Nas escassas vezes que tinha coragem de observar a paisagem ao lado, surpreendia-se com tanta beleza. Contudo, não se sentia capaz de trilhar por tal caminho, o pensamento de estar descoberto o amedrontava. Sabia que ao lado predominava uma lei universal pelo qual os andarilhos deveriam acatar: o descortinar de suas vestes. Passou-se algum tempo e o eremita caminhava só em relevo irregular. Algo em seu pensamento, porém, se transformou. A solidão tornava-o fraco. Sentia que não mais agüentaria carregar o fardo de seus sentimentos sórdidos. Parou, e fez um movimento raro em sua peregrinação, observou a luz que iluminava ao fundo. Imaginava que ela era diferente do caminho que o amedrontava, pois estava em direção que, pelo menos em sua concepção espacial, diferia da trilha que margeava. Decidiu se aproximar. O caminho tornou-se mais árido, começou a atravessar diversas intempéries. O frio, antes predominante, desvaneceu. Passou a predominar calor quase insuportável. Sentiu sede. Andava munido apenas de arma branca afiada, conhecida em alguns lugares por peixeira, terçado, ou simplesmente facão. A luz tornou-se mais forte, avistou no horizonte mandacarus. Pensou, eis minha única chance. Sabia que esta espécie acumulava água e que poderia saciar parte de sua sede com o líquido extraído. Realizou o trabalho, sem antes ter a pela cortada pelos espinhos característicos da vegetação. Sentiu forças para prosseguir. Adentrou em um terreno desértico, a luz intensa não o deixava observar o horizonte. Caminhava com dificuldades e sentia suas forças se esvaírem. Sabia que não havia mais retorno, ou caia e tornava-se parte daquele deserto, ou prosseguia. Resistiu. A um dado momento a luz intensa diminuiu e concentrou-se em um ponto a certa distância. Teve forças para olhar. Aquela luz começou a demonstrar colorações diversas, das mais belas que até então vira. Com as derradeiras energias, prosseguiu. Passou-se algum tempo e eis que o peregrino avistou seu objetivo. Uma rosa púrpura destacava sua plenitude dentre aquele relevo desértico. Dela emergia aquele brilho que avistava ao longe. Prostrou-se diante dela e chorou. Sentiu o peso dos anos que peregrinou a ermo evaporar por seu corpo. Ainda ajoelhado e com os olhos baixos despiu-se de grande parte de suas vestes, elas não mais eram necessárias. Ao levantar os olhos uma surpresa. Encontrava-se em meio ao caminho antes indesejado. Contudo, sentiu imensa alegria de estar ali e renovadas forças para prosseguir. Sabia que carregaria agora vestes moldadas por história de reconhecimento e transformação, o descortinar seria menos oneroso e sentia coragem para realizar tal empreendimento. Ao antes eremita aproximou-se uma bela andarilha, não sentiu medo, contou sua história e construiu com ela um primeiro laço. Sabia que era apenas o primeiro ato de uma grande jornada que não mais temia seguir.

2 comentários:

Poeta do Exílio disse...

Caminhar é escolher e escolher, por sua vez, é, também, abrir mão. Digam o que disserem, só o tempo é juiz sobre as escolhas. A cada escolha há um peso, por isso escolher não é fácil. Se mesmo em dificuldades (só quem sentiu pode dizer) tivesse que escolher e, se uma das opções fosse não seguir adiante, posso dizer que o peso se multiplica. Para dizer se a escolha foi boa ou má, toda hipótese é vã. Na falta de algo concreto pomos em seu lugar nossa certeza. Nossa certeza de que a escolha feita foi a melhor possível (embora, como já disse Kundera, nunca poderemos saber, pois não temos como viver outra vida e tentar o outro caminho), e essa não se desvincula do que projetamos, assim, de cada um para si. Que esta certeza seja melhor do que nossa vã hipótese, mesmo que em hierarquia de convencimento estes substantivos estejam com os lugares trocados.
Finalmente nosso conhecido Zé do Trilho ressurgiu! O velho Zé, co-fundador do Letras. Um abraço, camarada.

Luccas N. Stangler disse...

Belo!