terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O fim

Uma menina estava no início de uma longa estrada de tijolos amarelos. Não que ela tenha ido parar lá arrastada por algum vendaval, não. Mas os tijolos eram amarelos, que se pode fazer? Me dispus a contar-lhes os fatos, este não é um conto de fadas, e a cor do caminho era essa, ora, coincidências acontecem. De onde estava, a menina tentou ver o fim daquilo sem ter que ir até lá. Apertou os olhos e nada, parecia interminável. A via era cercada por um gramado baixo e bonito, o ar estava fresco, o sol nascia: tudo bom e belo no melhor dos mundos. Deu-se inicio à caminhada.
Algum tempo depois do primeiro passo dado, apareceu um primeiro objeto à beira da estrada, sobre a grama. Era uma daquelas caixas de música que se põe perto dos berços das crianças. A menina, que supostamente devia ter em si a curiosidade de toda a criança, não fez mais que olhar o objeto, sem sequer parar de caminhar. Aflige-lhe apenas uma sensação quando olha o objeto mais uma vez, algo como estranhar o óbvio. Ela segue.

O objeto seguinte é uma boneca de pano. Esta carrega consigo o “ir pra cama” das infâncias felizes do mundo inteiro, os pais que vêm dar um beijo de boa noite e as próprias crianças, que fazem de conta que já dormem até que seja irremediavelmente necessário confessarem o contrário para pedir que suas mães deixem as portas entreabertas, por terem medo da escuridão (e do que há nela, ou, talvez, exatamente do vazio que é). Algumas deixarão de ter; não é o caso.
Mais alguns desses signos passam conforme ela caminha. Surge um garoto, vindo do próprio ar, que atravessa a estrada acenando pra alguém que não está lá, e gritando: “toca pra mim, toca pra mim!”. O menino some como surgiu, mas o aperto que trouxe ao coração de nossa pequena andarilha fica. Um passo de insônia — será que ele gosta de mim? —, um passo de pura felicidade — ele gosta! Mas isso é bobagem, ela quer mesmo é ver ao que leva esse caminho.
Outra caixinha de música. Nessa o som é alto, agitado. Cabem luzes e pessoas dançando dentro. Cabem bocas, mas não chegam a caber nomes. A menina cresceu de uns passos pra cá, mas ela quer conhecer sua a cidade de esmeraldas e portanto segue seu caminho.
Tanto quanto surgiu foi admirado à distancia. A menina se fez mulher sem sair da estrada. Tudo quanto surgiu foi deixado para trás. Tudo, menos a outra menina, que apareceu, como tudo o mais, também às margens da estrada amarela. Essa outra era parecida com a primeira, a do começo do dia. Aquela que já era mulher estranhou, suspeitou, sorriu, mas seguiu seu caminho. Alguns passos a diante, a mulher já não pensava mais na pequena quando esta veio correndo segurar-lhe a mão e seguir com ela por essa trilha que custava a terminar. Eram mãe e filha, evidente que sim.
Quando o sol primeiramente tocou o horizonte oposto ao do qual surgira, um ponto escuro tornou-se visível ao longe. Medo, excitação, ansiedade e alegria tomaram os dois corações, mas eu já havia dito que este não é um conto de fadas. O negrume tomou a forma de um caixão que, diferentemente do resto, se impunha no meio do caminho. “Bom, estranho que esteja na estrada, quando tudo o mais sempre apareceu às margens, mas basta que o contornemos”, pensou a que então já era velha.
— Não, mãe — disse a filha, retendo a outra pela mão.
Lágrimas vieram aos olhos da mãe, que em algum lugar sabia: a tentativa seria frustrada.
— Você fica aqui, mãe, e descansa. Eu vou achar o fim, deixa que eu acho.
A mulher percebeu então, que por querer saber do fim, havia deixado muito para traz e o quanto a filha haveria de deixar também, se insistisse naquela mesma busca. Quis gritar à menina, que já se afastava, não cometesse, ela, o mesmo erro, não havia mago algum lá adiante, e trouxesse para a sua estrada o que lhe fosse aparecendo às margens desta. Mas a tristeza fez muda a mãe, e a ambição, surda a filha. Agora, uma é apenas parte da estrada que a outra segue, e assim há de ser até o fim. Um fim que não existe.