domingo, 14 de junho de 2009

Numa noite sem fim...


... silenciosa e negra, ele entrou, disfarçado, num barco a vapor de cor ferrugem.


Escondido, sentia a noite. Ouvia conversas distantes, de marinheiros acomodados dentro do barco. Se fosse descoberto, seria tudo ou nada.

_Adeus terra inóspita, estou de partida. Não conseguiria viver mais aqui. Não seria louco de pisar neste barco, se não sentisse que esta era minha última oportunidade.

Os barcos eram raros e esta sua última morada era uma cidade esquecida e decadente, que tocava jazz como se o jazz fosse a última moda. Apareceu um hoje, ele pensou, talvez o próximo só venha em meses.
Seu corpo envelhecia: quase tanto quanto seu espírito.
A hora do tudo ou nada estava por vir, muito provavelmente aconteceria ao amanhecer, quando a pequena tripulação, de uns oito homens, fosse ao convés ver o tom do novo dia e o encontrasse e resolvesse jogá-lo ao mar. Os homens desse ofício em um determinado ponto da vida ficam deveras embrutecidos, e depois de uma noite de bebedeira, não pensariam antes de se livrar de um peso morto.

O exilado abre um pedaço de papel amassado, que estava guardado em seu bolso. Nele havia uns versos:

Um estouro,
Um beijo,
Uma passagem pra eternidade.


Ele pensa: que versos pobres. E os joga ao mar.
E de repente, ouve uma risada diabólica: foi descoberto por um marinheiro bêbado, que já ria de pena dele, pois já pensava em trucidar com este estranho.
O exilado, da sombra onde estava, engole a seco. Levanta seu olhar para o dono da risada e sem que ele perceba cerra os punhos e se prepara pro combate, pro tudo ou nada.


...

Um comentário:

ana embriagada disse...

poeta, mesmo que partas, continuo suspensa em tua poesia. és para mim a lembrança que tenho de ti. atravessas minhas pálpebras como a síntese da errância, a vagar o mundo sabendo que não há lugar para chamar de teu. és de todos os lugares e de nenhum. admiro teu desprendimento. eu, tão desvairada, canto a liberdade e o movimento, mas por vezes - e muitas delas - só queria uma lareira, bom vinho e jazz ao teu lado. segue, vive! amor, ana.