sexta-feira, 26 de junho de 2009

A rotina de Ouvir

Carros, ruas, tumulto, fumaça, buzinas, vendedores, cigarros...
Pertubado, pegou seu ônibus e foi trabalhar.
Catraca, moedas, conversas, susurros, palavrões e seu dia só estava por começar.
Ao chegar ao trabalho sentou-se, e pensou por um breve momento que poderia respirar!
Mas logo veio a labuta, a hipocrisia, o desacato, o desaforo, a ignorância...
E mesmo que o dia parecesse já estar perdido, mesmo assim, de vez em quando, surgem palavras de esperança, pessoas amigáveis que sabem respeitar e entender o lado de quem está atrás do balcão da repartição pública - até por que um "olá" e um "obrigado" não machucam ninguém. "A sociedade chegou a tal ponto onde ser carinhoso é sinal de fraquesa!" Ponderou nosso querido protagonista - exausto pelo seu dia de serviço mas ao mesmo tempo contente ao pensar no salário ao final do mês - enquanto rumava para casa.
Três ônibus o separavam do lar e por trezentas vezes escutou coisas que não gostaria de escutar...
No lar, esperava descansar, mas isso não aconteceu pois, lá estavam o casal de vizinhos recém-casados à brigar e arremaçar a mobília um no outro, o memino levado estava a chorar diante das proibições de sua severa mãe, a música no andar de cima estava alta demais e isso sem falar no velho da porta da frente - que diante de sua enorme solidão - estava novamente a se embriagar e vociferar conversas sem sentido para as paredes.
Era quase três da manhã quando o condomínio se silenciou. Teria de estar de pé às seis, mesmo assim demorou para dormir. Ficou a se deliciar com o silêncio!
E que sensação sublime, divina e reconfortante foi aquela! Como era bom imaginar que ele proprio já não mais existia!
De fato o único ruído que agora escutava era sua própria mente a sussurrar "silêncio, silêncio, silên..." Adormeceu de súbito.
E naquela noite teve um lindo sonho: Sonhou que estava a dormir. Shhh... se não ele acorda.

Um comentário:

Poeta do Exílio disse...

Quando este texto apontava para seu fim, o fez salientando o silêncio. Momento no qual a experiência do ser nos invade em sua plenitude, e só a partir disto, num segundo momento, podemos rompé-la para falar dela, como fora feito.
Pois como já disse certa vez Arcangelo Buzzi, "no palácio do ser não se fala. Vive-se no silêncio. No silêncio atento e respeitoso. Precisamente para deixar que o ser apareça na sua primitiva pureza, na sua nascividade primeira."