domingo, 22 de agosto de 2010

Preciso me encontrar*



Por vezes eu penso se não é o cavaleiro da triste figura é quem estava certo. Engenhoso fidalgo que era, aprendeu a conviver com a nostálgica vida que lhe fora proporcionada. Descobriu, ao longo dos anos, assim como Erasmo em seu Elogio, o doce sabor da loucura. Não precisou escutar Elis Regina para descobrir a previsibilidade humana. Ainda, cantava Elis, somos os mesmos. Tampouco chegou a ler Exupéry para saber que “nada mudou, todavia tudo está mudado”.

Será que Dom Quixote, ao saber que não seria compreendido, preferiu refugiar-se na loucura ao ter que discutir as idéias pré-fabricadas do seu tempo? Questiono-me se, decerto, o modo como ele agia, como lutava contra os moinhos, como, deliberadamente, se portava, mostra um modo diferente de encarar a vida. A loucura como bem supremo. Outrora, pergunto-me se de tanto vivenciar os disparates sociais não se tornou indiferente a eles? Ou se, por ventura, esteja cansado da falta de criatividade humana com os seus repetidos problemas sociais sem “solução” (miséria, ódio, avareza, inveja)?

Valores morais, julgamentos retrógrados vigentes ainda nos dias de hoje. O niilismo que nos põe dúvida na crença. Onde está o soma que Huxley nos promete? Será, ele, a religião? Marx estaria certo ao afirmar a religião como o ópio do povo ou não seria o povo o ópio da religião?

“Deixe-me ir. Preciso andar. Vou por aí a procurar. Sorrir pra não chorar (...) Preciso me encontrar.”


* Tranqui, o Dom quixote peruano.

Pintura: Dom Quixote por Salvador Dalí.

sábado, 21 de agosto de 2010

Da Escrita

O exílio foi longo mas estou devolta!Fico muito contente em descobrir que esse blog não parou e que os exilados continuam afiados como nunca! Impressionante como saem coisas boas daqui! Volto com um texto sobre um assunto que me agrada muito: o texto em si, ou a produção do mesmo.


O saudoso (e louco) Erasmus de Roterdã já dizia, em um de seus romances do qual não me lembro se quer o título, que: “Todo escritor, antes de ser um bom amante das palavras, é um grande mentiroso.” Palavras fantásticas para alguém que não passa de um mentiroso, não acham?

O fato é que, a arte de mentir (ou de escrever, se assim preferirem) não é uma grande calunia, ou terrível falcatrua como alguns moralistas conservadores devem pensar. Mentir é simplesmente construir uma verdade e essa, assim como a dona história prova muito bem, não precisa necessariamente ter realmente acontecido. Verdade e acontecimento são dois campos bem distintos. No entanto Erasmus não foi o primeiro a questionar o seu próprio ofício, Shakespeare nos fala em sua não tão célebre obra “A Tempestade”, que: “Tudo que está a sua vista minha cara filha, a ilha, o mar, os pássaros, as nuvens, o intrincado Sol, e o sereno céu; tudo isso agora lhe pertence e está tudo aqui anotado, em meu testamento, mas não considere este em demasia, afinal, são só palavras.” Próspero, Duque de Milão, falando a Miranda, sua filha. Tal idéia também aparece em sua célebre obra “Macbeth”, em um de seus trechos derradeiros (se a memória não me falha): “Essa é uma história idiota (ou tola) escrita para idiotas (ou tolos, o que lhe parecer mais adequado). Sábio e ousado era esse Sir. William, mas nem tão original pois, muitos anos antes, na remota Grécia Antiga, um grego careca e barrigudo já afirmara em plena praça de Atenas: “Como se pode fazer uma pergunta a um livro?! Só o autor e seu discurso são importantes, não as palavras amontoadas no papel!”(Sócrates, em algum dos diálogos Platônicos).

O que estou querendo dizer com tudo isso é que muitos autores ao longo da história da literatura já criticaram a arte de escrever (ou de mentir, se preferir), isso não é nenhuma novidade, no entanto muitos escritores ainda relutam em aceitá-la. Podemos citar até casos bem distantes e de estilos muito diferentes como Poe em “Os Sinos” ou Eco com “Não contem com o fim do livro” ou mesmo Durval Muniz com seu “História: A arte de inventar o passado”. Nadando contra a corrente podemos encontrar Borges que na verdade faz uma apologia a arte de escrever, mas esse argumento também não merece muito credito, pois se há escritor mentiroso nesse mundo, esse é Borges. Mestre da falcatrua, lorde da mentira, gênio sem igual!

Minto a mim mesmo dizendo que esse texto está pronto, e então, como em um passe de mágica, ele realmente está!

FIM.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Nem mais um vintém...

No dia 18 de junho nasci. Era meados de 1890, em pleno inverno. Entre ruídos, estampidos e tiros nasci. Talvez não fosse nascimento. Talvez tivesse sido um exílio do ventre materno.

França, Itália, Suécia. Ali, onde fui exilado, digo, nascido, não importava muito. Como falar em Alemanha em tempos de cólera? Não existiam, nessa hora, países. Línguas tampouco. O dialeto era simples e carregava nele um sentido forte: viver. Mesmo que esse viver não significasse muito naquele modo sombrio e rudimentar de vida.

Tive, por infortúnio, que me alistar nas forças armadas mesmo não sendo tão forte assim. E lá chegando vi o front. E nele as trincheiras. E elas, as trincheiras, destrincharam meu ser. Estive à beira do abismo. Perdia-me desesperadamente nas minhas alucinações. A esperança de fuga foi vã. A princípio, pensava no todo como goiaba e me deleitava nos prazeres da maçã. Refugiava-me na maçã. A serpente me era mais agradável. Assim acreditei.


Pensava em minha mãe, mas não a conhecia - bem. Bem conheci - diga-se de passagem - foi Geni. Enquanto estive à espera do término febril da guerra, da grande guerra, de quando em quando eu a visitava. Misteriosa, assim, ela me surgiu, misteriosa, assim, partiu. Antes de sua partida, de sua boca escutei um “adeus, filho.” Se filho de Geni, a prostituta, sou, assim me senti ingrato. Não pela sua profissão – isso não!


Em meio ao front me situei. Suspeitei, depois da partida de Geni, que eu não era senão mais um. Inquieto estive por alguns momentos. De lado a maçã ficou. De nada mais me adiantaria o saber se eu, contraditoriamente, sabia do todo e esquecia de mim. Na guerra, matei, roubei, furtei. A estética e sua discursiva aparência era, por dentro, podre, tal qual uma goiaba contaminada. Foi então que descobri o valor da vida, da minha vida européia: 500 euros e nem mais um vintém...

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Não seja feita a vontade DELE.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR (ESSE SIM É DOUTOR!) JUIZ JASON DE LIMA E SILVA DA 2ª VARA KAFKIANA DE PRAGA.


Z!, brasileiro, solteiro, artista da fome, sem número do RG e sem CPF, residente e domiciliado na Rua de nome Rua – Planeta Terra -, vem propor a presente ação em face de Deus, situado (aliás, muito bem situado) no céu, pelos motivos abaixo:


Por ser, segundo a bíblia, filho de Deus, Z!, agora maior de 18 anos, ou seja, absolutamente capaz, pretende processar o suposto pai, uma vez que não houve prescrição (Artigo 197 do Código Civil), por abandono intelectual e material quando Z! ainda era uma indefesa criança em fase de crescimento.

Amparado pelo dispositivo legal da Magna Carta – Art. 229 – no que concerne aos seus direitos, Z! pretende ser ressarcido pelo o que lhe fora assegurado no artigo anteriormente citado:

“Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”


Quando ainda não estava metamorfoseado em um adulto, o autor viveu em vários lugares e, ao mesmo tempo, em nenhum lugar. Morou embaixo de pontes, ao lado de viadutos, em meio a praças. Esquecido pelo criador do céu e da terra. Oportunidade, assim como a esperança, era uma palavra que nunca ouvira falar. Saudade? Também não a tinha. Não são somente os norte-americanos que não a entendem, Z! também não a entendia. Também não era para menos. Como o requerente podia senti-la se não havia alguém que se preocupasse com ele?

A sociedade era outro elemento que não fazia parte de sua vida. Vivia à margem dela ou, como diz o dito popular, a Deus dará. Não teve estudo, tampouco aprendeu a ler. Ficava fascinado pela imagem do pequeno príncipe, mas Exupéry era-lhe inalcançável. Havia uma barreira social imensa. Um detalhe que, ao contrário da música de Roberto Carlos, não era tão pequeno assim.

Não brincava, brigava. Não dormia, hibernava. Seu passatempo era esperar passar o tempo. Sub-mundo era um lugar de luxo para alguém que, como ele, não tinha um mundo. Talvez viver fosse de longe a droga mais forte que já provara. O efeito dela era contínuo, ininterrupto. Nem precisou chegar aos 100, 19 anos de solidão já bastavam para saber que nada sabia, nada compreendia do sentido de sua existência. Não lia Camus, mas talvez soubesse, desde cedo, que era um estrangeiro. Indiferente aos padrões sociais que regiam. Incompreendido como Franz Kafka.

Pela manhã não via jornal, não tomava seu leite, não comia sua torrada. Dividia tristes momentos com o seu despedaçado eu. Ele nem sabia que tinha um eu interior. Descobriu ouvindo duas senhoras discutindo sobre isso na parada de ônibus. Tinha uma casa muito engraçada: não tinha teto, não tinha nada (familiar, não?). Feita de papelão, não abafava o barulho dos vizinhos. Berros, gritos, chiados, miados, latidos. Uma vizinhança e tanto.

Um belo dia foi abordado por dois missionários evangélicos. Disseram-lhe palavras encantadoras; que existia um lugar em que ele se sentiria em casa, que preencheria seu vazio existencial com a sapiência de um tal Deus. Vá conosco, sem compromisso - afirmaram a dupla. E assim nosso protagonista foi. De um problema social, tornou-se, pós conversão cristã, aprendiz da bíblia. Aprendeu a ler, a escrever, a se portar de modo, moralmente falando, “normal”. Afirmava conhecer, de fato, Ele.

Ao estudar incessantemente os ensinamentos bíblicos, descobriu que era filho de Deus. Agora entendia o porquê de Sófocles, grande tragediógrafo grego, falar que quanto maior a ignorância, maior a felicidade. Pensou como uma pessoa tem a ousadia de gerar um ser e, depois de um processo complexo, deixá-lo sofrer, sentir fome, frio, sem – ao menos – uma justificativa plausível. Aliás, não existe uma justificativa que explique o abandono. Abandono intelectual, material e, além desses assegurados pelo ECA (Estatuto da Criança e do adolescente) bem como pela Constituição Federal, há o abandono sentimental. O afeto, o carinho, o cuidado etc. Não condiz, com efeito, com o discurso cristão. Onde está, nesse caso concreto, o amor ao próximo? E eu que achava que eram somente as leis é que não saiam do papel.

Angustiado, Z!, ciente de seus direitos, resolveu procurar os meios legais para resolver a situação. Acreditou que dessa maneira fosse poupado da demagogia social que lhe fora ensinada na vida religiosa e, por consequência, fosse encerrada a questão entre Pai e filho. Não é por dinheiro ou vingança, é uma questão de justiça. O autor tinha, na infância, um direito assegurado que não fora cumprido. Agora busca nas vias judiciais o ressarcimento do dano. Assim, o requerente procurou-me.

DESSE MODO,

eu, anjo da luz, na condição de advogado do autor Z!, peço, com todas as honras, que V. Exa. determine LIMINARMENTE:

A apreensão de todos livros sagrados que foram distribuídos e faça com que DEUS os reedite. Faça com que ele exclua, dessa maneira, os sete pecados capitais à medida em que eles não foram socialmente aceitáveis, excetuando os fanáticos que, talvez, cumpriram as ordens. Além do mais, o pedido inicial se faz necessário, ao passo que, como se sabe, nenhuma sanção restitui o que fora anteriormente perdido, mas apenas apazigua os ânimos mediante a justiça que será, assim espero, concretizada. Nenhuma fortuna material substitui os valores que foram, no caso de Z!, deixados de lado. O vazio que o corrói até hoje não pode ser restituído por “x” salários mínimos. É uma questão unicamente pessoal, intrínseca de cada ser. Continuando a proposta, caso o réu não considere de bom grado o pedido inicial de reeditar as escrituras, é dada a idéia que ele faça, de próprio punho, um documento alegando que Ele não existe. Parece, de inopino, contraditório, mas veja que se para fins legais Ele não existe, nenhum crime pode ser imputado a Ele. Com isso, ficaria provada a inocência do requerido. *



Assim, requer que Vossa Excelência determine a citação do réu para comparecer à audiência de conciliação a ser designada e, caso não haja acordo, possa oferecer sua contestação, sob pena de serem considerados verdadeiros os fatos alegados.


Nesses termos, pede-se, então, o deferimento.



Florianópolis, 9 de novembro do ano de 2009




Anjo da luz
Nº da Ordem dos Advogados da República Tcheca: 2012












* A parte do pedido foi feita com a ajuda do mestre Jason de Lima e Silva.

Luccas Neves Stangler.

domingo, 20 de junho de 2010

A vida é um conglomerado de coisas sem sentido

A vida é um conglomerado de coisas sem sentido. Será que fomos colocados aqui ou viemos de alguma forma? E se viemos, como fomos parar aqui? Será que o indivíduo existe mesmo? Se estivéssemos sozinhos no mundo (imagine o mundo) como saberíamos que existimos? Penso logo existo? Como saber que a pedra não existe só pelo aparente fato de não pensar? Carregaria ela uma forma de vida a qual sequer sonhamos existir? E por tal fato não a compreendermos e a consideramos sem vida? Ora essa, a pedra nem ao menos se chama pedra! Como ela se reconhece? Existo sem o outro? Quantos sofrimentos e quantas lamentações carregamos em nossos sórdidos corações! Que de romântico só o ideal. Quantas coisas perversas já não pensamos em fazer? Quantas fizemos? Como qualificar tais façanhas como perversas ou não? O caos parece ser a ordem natural das coisas. Talvez compreendê-lo seja entender a própria vida. E que mar sem sentido! E se não há remédio, remediado está! Pra que esta busca desgastante por sentidos? Se vida e morte podem ser a mesma coisa? Alguém deve estar a rir e muito dos humanos! Que pequenos esses seres! E que tristeza! E quanto ela pesa! Que fardo! O cansaço se jogou sobre meus ombros aumentando a famigerada força da gravidade sob o meu ser! Não quero ser mais nada, muito menos tudo isso que já se foi e se fez um dia desses, mesmo que tão longínquo. Como seria poder deixar de existir e ser esquecido completamente? Nem descanso, nem paz, nem cansaço, felicidade, alegria, ou outra coisa qualquer. Sumir. Esquecer-se de si mesmo. Corra! Corra! Corra! Agora ouço uma estranha voz, libertadora?!

- Esquece-te a ti mesmo!

Será que temos vontade? Ou a vontade que nos tem?
Todo esse sentido foi colocado em nossas cabeças? Ou criamos todo sentido que precisamos para cegar a vós da falta de sentido natural das coisas?

- Falta sentido! Falta sentido!

Grita o louco!

- Ainda bem!

Diz-lhe o são.

Caso tudo faça sentido é porque estamos inseridos numa grande mentira, numa grande conspiração, espalhada com primazia, pois o sentido não existe. E quem contou essa mentira? A minoria que um pouco mais sabia, de um nada logo ali que os assistia.

- Onde estou!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!? Ta tudo escuro!

- Não abra o olho!!!!

- O que? Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!
(grito de desespero profundo e desolador, maldita luz!)

terça-feira, 15 de junho de 2010

Diálogo helênico

Helios de sonhos, o sol oriundo.
Qual Hélade pus-me entre deuses noturnos,
Nutrindo aos humanos em raios agudos.
Ondas de calor a doar-te cá mundo.

Meu nível termal milenar é teu eixo.
De mim só dependem o estalar do teu queixo,
Dos anjos, demônios, perversos e puros;
A experiência, a ciência e os parcos futuros.

Tantos deuses qual a Grécia me pôs por aqui,
Nutrindo tal mundo sem paz a seguir.
Aos que me afrontam dou caso oncológico,
Rei Sol só humano, um triz cronológico...

Desvelo seu sono cotidianamente,
Panóptico dito o andar da corrente,
Frenéticos corpos, incessante torrente,
Desalmados ao ritmo contraproducente...

Hélio te herdo apenas em nome...
De musas suponho um amor secular,
Qual peso carrego no nome a herdar
Descentro do pai em função tão nobre.

Mais corpo que gás é o meu ser soturno,
Humano em vícios, febril de rascunhos.
Em menores graus é que eu fico puto.
Explodo em amores calores fajutos...

“Mil grau” posso ser em 40 fervente..
Meu sonho é utópico, o seu é presente,
Meu ser transitório, o teu quase-sempre.
Também só num triz valho incandescente...

Um bem coletivo, morreu baleado.
De paz cauteloso...
Da paz fustigado...

De paz agressivo
E obcecado
Amor para todos
É um auto-retrato...

Vitimado,
Ancorado,
Apaixonado.
Ingênuo?

Se sol fosses pai do meu eu, eu queria.
Mais amplos poderes que aqueles da lira.
A tudo e a todos poetizaria...
Da paz eu faria nossa mais-valia.

13/06/2010

terça-feira, 25 de maio de 2010

Ao mergulhar no emaranhado de lembranças,
Que repousam inertes pelos labirintos minha mente,
Pelos cantos dos corredores e pelos porões onde jazem aqueles arquivos super-pessoais, misturados com milhares de fragmentos sinápticos;
E ao me deparar comigo, só que de outros tempos,
Aquele eu que fui outrora;
Não sei o que há, que não reconheço nada além de um ser estranho
Num corpo familiar.

Teria eu mudado tanto assim? Ou alguém andou revirando minhas memórias?

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Declaração a um surrealista

Com todas as forças de minhas entranhas
Tu fostes amado.
Desapegada de razão,
Desapropriada de palavras,
deixei de lado todo o método
e a razão que me impuseram na escola.
Tudo isso para te amar.

Amei-te loucamente
Encontrei-te em meus sonhos
E te perdi no meu inconsciente.

Um dia abri os olhos
e te vi de carne e osso.
Feito de imperfeições,
recheado de defeitos.

Vi meu sonho transformado em realidade,
ignorei as projeções de minha mente.
E pela primeira vez
Amei-te por inteiro.

Assim, repleto de defeitos.
Assim, posto em verdade.

terça-feira, 4 de maio de 2010

A Última Flor

Pétalas suaves, acariciadas pelo orvalho matinal,
De um mundo áspero, suicida.

Espero que ela respire, inspirando,
Aquele coração tão só.

Inspirando, sem deixá-lo expirar...
Inspirando, expirando...

E a cada movimento, preparar-se.
E que seja continua, sem lá grandes definições e que...
Inspire enquanto viva, e no extremo, até a expiração definitiva.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Da convicção


O ar empírico que circula a minha volta me faz cega às verdades que procuro desvendar, opacidade brutal que venda os olhos de todos a tudo aquilo que somente a leveza da alma é capaz de revelar. Essa necessidade de provas e fatos materiais me sufoca ao olhar do mundo que por vezes eu não pertença. Minhas provas vêm do íntimo, do âmago de meu ser, onde somente eu posso procurar e que por si só se fazem suficientes.

Só carrega o peso aquele que é capaz e só o carrega porque o sente necessário. De todas as pessoas que optam por se livrarem daquilo que lhes pesa, eu, convicta, guardo aquilo que me é grave. O peso de minha certeza liberta meu coração, o peso de minha certeza me oferece a leveza de quem sou. Posso assim seguir plena sabendo que carrego aquilo que me vale em vez de seguir pelo caminho da aparente leveza do esquecimento.

terça-feira, 2 de março de 2010

Sonho de Criança (A menina no espelho)

Escrevi esse texto já faz algum tempo. Na época em questão o recultado final não me agradou. O encontrei em meio aos vários escritos de meu computador a uns dias atrás, o rê-li, e dessa vez, adorei o resultado! Por isso, agora, compartilho esse curto conto com vocês, caros exílados. Espero que gostem.

O título que segue em parênteses é o original, o qual achei melhor modificar.

Acordara. Espreguiçou-se e levantou-se. Caminhou lentamente, daquele jeito arrastando os pés, até o banheiro. Mas, ao se deparar com o espelho algo extraordinário fez com que todos os pelos do corpo da menina se arrepiassem! Ali, logo ali, a sua frente, estava seu reflexo, porém não como tal costumava ser durante os dias anteriores de sua vida. Ali realmente estava projetado seu reflexo, no entanto sua face não estava mais lá! Os cabelos castanhos ondulados estavam, a camisola cor-de-rosa também, no entanto seus olhos, orelhas, nariz, lábios e cílios, lá, já não estavam mais. É claro que a garota pensou nisso com a velocidade de um relâmpago que rasga o céu, enquanto tateava o rosto com a palma das mãos, que ainda estavam lá. Após um período de cerca de 3 a 5 segundos de reflexão a menina começou a sofrer de enorme angústia e aflição que jamais haviam sido vivenciadas de tal forma. Expressou seu enorme desespero da forma mais natural que um ser humano conhece para se desesperar: o grito! E, então; acordou...

Dessa vez acordara mesmo. “Tudo não havia passado de um sonho” – assim a menina queria acreditar. Pulou de sua cama e correu desenfreada para o banheiro onde pode contemplar, enfim, sua face. Jamais havia notado que era assim, - modéstia à parte- tão bela. Passada a aflição se pôs a rir sozinha em seu banheiro, pois afinal de contas havia tido um estranho sonho, digno de ser contado a alguém.

Encontrou seu pai na cozinha. Este estava lendo o jornal do dia enquanto passava manteiga no pão, ou melhor, tentava passar, já que acertava mais o prato que o pão em si. A menina não demorou a interromper seu ocupado pai, afinal precisava muito contar aquele sonho a alguém. Era uma necessidade. Assim como um diabético em crise precisa de insulina, ou um sufocado asmático precisa de sua bombinha, ou seja lá qual for o exemplo que apliquemos, a garota precisava contar sua história! Não faria sentido guardá-la para si.

Contou a história a seu pai e depois pediu a opinião do mesmo. Esse, calmamente, abaixou seu jornal e falou:

“Filha. Você realmente teve um sonho estranho essa noite. Não pelo fato do estranho sumiço de seu rostinho, mas sim porque esse sonho não tem o menor sentido. Ora querida, se você não tinha olhos no sonho como poderia ter visto seu reflexo? E se não tinha boca como poderia ter gritado? Vê minha filha, a ciência não permite tal coisa. Realmente não passou de um sonho bobo... Sonho bobo de criança!” Falava o pai a dar pequenas gargalhadas tímidas enquanto voltava para seu jornal, pão, manteiga e agora uma xícara de café preto.

A menina não pode deixar de sentir-se um pouco frustrada com a falta de entusiasmo de seu pai diante da história, mas, por outro lado, ela não havia sequer pensado em tudo aquilo! “Que homem inteligente é esse meu pai” – ficou a pensar.

Naquela noite a menina voltou a sonhar:


Estava em um mar revolto, em meio a uma tempestade, tentando sobreviver ao afogamento. Entre o caos das águas conseguia avistar, não muito longe, um barco no qual estavam seu pai, mãe e duas queridas primas. Todos estavam a gritar: “Venha Karina, venha logo! Nade depressa! Cuidado, se não a Ciência vai te pegar!”A menina já não entendia mais nada, afinal sobre o que poderiam estar falando? Não demorou muito para que a resposta viesse. Foi puxada, bruscamente, para o fundo do sombrio oceano por um horrendo tentáculo que a levava a uma espécie de boca monstruosa cheia de dentes afiados. Só teve tempo de pensar: “Oh não, a Ciência me pegou! Mas que monstro mais terrível!”, antes de ser devorada de forma atroz pela criatura.


Acordou suada; assustada! Logo percebeu que havia sido outro daqueles sonhos malucos. Estava chovendo lá fora o que explicaria o sonho com água – pensou a menina. “Mas que besteira. Um monstro marinho horrendo chamado “Ciência”, bobagem! Desse sim meu pai irá rir!” Voltou a adormecer, mas nada mais sonhou.

Na manhã seguinte contou o sonho ao pai e foi a ultima vez que fez tal coisa. Dali em diante nunca mais voltaria a ter os sonhos mágicos e fantásticos de seus tempos de infância; nunca mais.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

O Triste Fim da Mulher de Zeus


O rio corre ali, adiante, logo mais a frente. Onde foram parar as belas sinfonias?!? No mar de rosas chamado ilusão o sol nasce derrotando Set, mas ali, adiante, logo mais a frente a estrela morre derrotada pelo deus das trevas o qual renasce para morrer novamente pela manhã, derrotado, numa luta sem fim, dia após dia. E o que se vê? A ignorância humana prevalecer. E que história é essa? Trata-se da história de mim, de você, de nós, vós, eles! A história não contada na Aka De Mia, mas cantada por nós na embriaguez dionisíaca! Aclamada por nossas almas sedentas de vida nas vertentes abertas das veias da América Latina, Central, Setentrional; do Satélite de Júpiter, da Líbia, da Ασία, da terra que é um Oceano; e das terras de Gelo! O mar ergue-se imponente em sua altivez e majestade sublime, alvo dos olhares temerosos e admirados daquele ser, aquele ser que não sabe ser humano! Este é eu, tu, ele! Insignificantes diante do desejo coletivo do vento em ser forte para destruir tudo e todos a quem ali, mais além, querer aprisioná-lo em um mundo chamado história européia! E sob a voz estrondosa de causar calafrios emanados das fendas expostas de todo o sofrimento joga sua ira “Tu novo velho mundo és apenas um Satélite e o mais deplorável de todos eles! Roubaste dos outros o melhor e disseminaste o pior de ti ao mundo! Que o mundo faça então a sua vontade e lhe devolva todo o pior na mesma intensidade!”. E ao levantar da cama naquela bela manhã de primavera a mulher de Zeus então se deu conta: estava aprisionada em sua própria ilusão de vida criada, a antivida! E foi assim, no grito estridente do desespero aterrorizante de gritar sem conseguir emitir som, invadida da desesperança profunda e do horror maior, na esperança de um socorro o qual nunca viria, que a Europa viu-se no espelho, uma asquerosa mosca desesperada, presa na teia da aranha chamada niilismo.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Se sou poeta, por medo não digo;
Pois que meus versos atabalhoados,
Sequer inspiram um reles espírito,
Quem dirá à corja dos letrados!


Poetas muitos se proclamam: uma façanha;
Vejo-os, ó Deus, com demasiado espanto!
Onde vós encontrardes facilidade tamanha?
Se incapaz de versar me corroo em pranto!


Envolto nesta questão, numa tal solidão vespertina,
É que de ar meus pulmões inflo: que agonia!
Berro aos céus, sedento, e questiono à força divina:


Andastes, em vão, espalhando sementes de euforia?
Alhures, provocando noutros auto-enganamento?
Ou é em mim, ó Força, que não reluz talento?


10/02/2010

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Introdução à vertigem


O primeiro poema do ano nasceu do sono. Nós dois ainda quentes da cama quando uma fresta fina saída da rua trouxe luz para o quarto e ordenou: pegue papel e caneta, ou seqüestrarei sua inspiração. Ele obedeceu. Eu continuei achando que poesia é difícil de alcançar. Uma imprecisão, mesmo que minúscula, carrega tudo para o brega. Terreno ensaboado esse. O que mais vejo é gente escorregando. Tudo ficou ainda mais complicado ao observá-lo tecendo seu poema. Deixa ir, pensei. Vou é ficar quieta, olhando de fora. Ele sussurrava letrinhas baixas à procura da palavra ideal. Descobri que é um artesão das sílabas. A seu pedido, guardei na gaveta por quatro dias, e hoje minha relação com o resultado mudou. Já vi detalhes que o frescor do momento roubou, a cegueira do encanto escondeu. Porém, escrito a escrito, continuo cultivando a sensação de mundo preenchido que cada poema oferece.


Crepúsculo da aurora enfraquecida

O peso do mundo em suas costas não lhe permitia levantar
Prostrada ante a aurora turva da luminária enfraquecida, pensava:
O dia está belo, quero estar lá

E de repente a janela se abriu
Uma profusão de raios luminosos revirou toda a bagunça do quarto
E esse foi o crepúsculo da aurora enfraquecida

E também foi o despertar de um coração que ao se desvencilhar das soturnas amarras
Rodopiou pela casa e foi ser feliz por aí...


Poeta do Exílio
Janeiro de 2010


osgemeos/vertigem

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Lamentei por sua dor,

E suas lágrimas que corriam

Sobre as maçãs alvas de seu rosto;

E às dúvidas que a seu espírito assolava.

Senti o alcance de minhas palavras,

Não indo além de um palmo da minha boca...

Era como bater numa rocha.

Era como se sílaba após sílaba,

Minhas palavras se desfizessem no ar.

Sua dor era como uma rocha,

E demonstrou ser resistente...

Mas era um fantasma.

Maldito seja este fantasma.


18/06/09

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Ossos do Ofício

Aqui estou. Deitado, nu, papel e caneta em mãos, confuso. Sinto-me inspirado, as águas voltaram mas dessa vez, turvas demais. A caneta falha... súbito desespero... ainda bem, alívio, foi só um alarme falso. Divido meu quente leito nessa noite solitária com o senhor Dostoiévski embora deva confessar que sou muito mais uma bela dama mas, as noites solitárias são assim mesmo: sem nenhuma dama, quanto mais uma bela. Álem do mais, devo até ser grato, mas vale um grande russo como companheiro do que um best-seller qualquer.

O problema comigo não é escrever, isso sei fazer até que bem - pelo menos é o que acho - , o verdadeiro problema é versar. Hoje cedo li um poema de Pessoa, magnífico. Tive vontade de fazer algo semelhante e aqui estou... deitado, nu, papel e caneta em mãos, e contudo, mais confuso do que nunca.

Acho que gosto do seguro terreno da prosa, o qual conheço muito bem desde os primeiros anos de escola. A poesia é como o estrangeiro, o diferente, o volátil, o mutável, me assusta. Só em pensar nas rimas, na métrica, na sintaxe, no vasto vocabulário de palavras... recuo covardimente e aqui estou, deitado, nu, papel e caneta em mãos e agora com a certeza de que não consegui escrever um poema e sim uma prosa.

Talvez eu seja assim mesmo, daquele tipo de Pessoa que dá os primeiros passos sem nunca vislumbrar onde o fim do caminho levará. Talvez seja o tipo de Pessoa que repentinamente é assolado por um avalanche de pensamentos, sentimentos, desejos, mas que logo passam e desaparecem em questão de poucos minutos. Só hipótesis. Tudo o que sei é que ao tentar versar acabei escrevendo repentinamente uma prosa. De repente minha próxima prosa pode vir a ser uma poesia, quem sabe... texto pronto. Aqui estou, deitado, nu, caneta e papel em mãos, e é claro, extremamente feliz.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Ode aos Vivos

Hoje acordei com vontade de sumir, por mais que sumir possa parecer uma vontade estranha - em alguns momentos faz perfeito sentido - mas logo passou...

Em seguida veio a alegria, a tristeza, a alegria novamente, o tédio, a raiva, o choro, tanto alegre quanto triste...

E assim se passou mais um dia na existência dos humanos.


O que concluo com esses meus típicos devaneios é que a beleza em todos os sentimentos, encontra-se na semelhança entre eles. Todos são interligados, fundamentais, essenciais, únicos e múltiplos, indispensáveis; descarte apenas um deles e todo o resto será afetado.


Hoje acordei com vontade de sorrir mas é quase certo que ao deitar-me ao fim do dia terei vontade de sumir... e isso me alegra, me da vontade de celebrar. Por mais que vontade de celebrar algo assim possa parecer estranho. Por mais que todas as sentenças acima possam parecer estranhas... não me importo, o que é valido aqui é o que estou sentido ao redigir essas palavras: me sinto feliz! Mas logo virá a tristeza e assim por diante...

mais um dia na existência dos humanos.


Devo dizer, caro(a) amigo(a), que esse não é um texto depressivo, em verdade vos digo, é um texto sobre a vida, uma saudação a sua magnífica forma. Afinal, suportá-la por tantos anos a fio é uma arte, e das mais requintadas que se tem notícia.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O Desleixo



Eis aqui a minha maior obra prima! Seu nome? O Desleixo!




FIM

Su, su, urros!

Os brilhos, encantos e cantos sussurraram pra mim. Logo notei! Algo estranho acontecia! Os encantos jamais sussurram! Sempre cantaram pra mim! Em alto e bom som! Um infeliz me disse certa vez:

- São os dias de hoje, a vida é assim!

Assim. Assim, era a vida dele, sem graça, encanto, beleza, arte, a não ser aquela tal arte das "pessoas na sala de jantar ocupadas..."

Outro foi mais audacioso!

Com uma arma em sua mão dizendo-se O Justiceiro!
Pois, que pague o que deve esse charlatão!

Hoje acordei tarde, Apolo demorou a lançar os primeiros raios de luz do alvorecer, também pudera, havia fumaça cinza por todo lado e nada de céu...e ainda algunxs desgradévais se perguntam:

- Porque os Deuses estão zangados conosco?

Todavia, o sussurro me preocupa. Estarei perdendo a sensibilidade?

Minha roda se pôs a girar...

Tlec tlec tlec

"Sorte de hoje: Catástrofes mundiais, tome cuidado, não forneça sua senha a estranhos"

Em que época estamos mesmo? Tomara que não seja na Bela Época...

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Para ler no novo ano

Quisera eu inventar mil palavras, para proferi-las aos ventos com meus mais singelos desejos. Suponho, no entanto, que nenhuma delas conseguisse traduzir o que guardo no peito.

Desejo-te, então,
que mesmo que não ouças minhas palavras
ou tão pouco consiga entendê-las;
desejo-te que sintas aquilo que emano em mim
e tão pouco consigo transpor ao som.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Sobre essências e sobras

Que vendaval de pensamentos me acomete agora!
Que multiplicidade globalmente plural de idéias!
Voei por distantes cantos do mundo
Estando parado em uma cadeira qualquer,
Tão casual que não consigo sequer escrever um poema.

Há pouco pensava em mudanças e essências,
Mas tinha à frente esses dispositvos catadores de sobras:
Sobras ao que é essência,
Ao que é necessário à sobrevivência.

Logo surgem músicas e poemas
(Mais letras e letras e letras),
Parece que um espírio beat encarnou em mim,
Parece que sou capaz de escrever tudo o que me vem à mente AGORA,
Mas me falta caneta, me falta papel,
Antes que eu possa desenhar a idéia, esta já foi
E já estou em outra e em outra e em outra
E são tantas que parece não sobrar nada,
São tantas que parece não haver essência,
Ou ser absolutamente TUDO necessário à sobrevivência.

Mas não, sei que há outro modo de pensar,
Sei que este exato instante não pode ser captado,
Sei que não é possível abarcar o todo!
Já refletia Cassady sobre a incapacidade de romper os segundos entre o pensamento e a fala:
Neste ínterim muito se perde
E o que se tem já é parcial,
Já é essencial.

Por isso, Caeiro, não me venha com essa de ver as coisas como elas são!
Neste momento penso diferente
E isto igualmente se dissolverá
(Mas insisto em acreditar que o essencial é invisível aos olhos).

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

semestral

Andrew Wyeth. Otherworld, 2002.

e o tempo engole a inspiração.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Antes de começarmos gostaria de falar algumas coisas:

Já faz algum tempo que queria escrever algo sobre o simples ato de "escrever" mas, faltava-me a inspiração para tal. Pois bem, tal inspiração surgiu a alguns dias atrás durante uma aula de África e gerou o texto que seguirá abaixo. Afinal, "escrever" sempre me pareceu um tema pertinente. Escrever é aquele ato simples que alegra os corações dos exílados... e por falar neles (as), os saudo! Parabéns aos exilados (as) - que completaram um ano -, continuando a escrever, a parir suas próprias idéias, para, quem sabe um dia, alcançar a derradeira paz de espírito. Vamos adiante...

Aqui deveria vir um título, ou não.

O turbilhão de águas volta a assolar minha mente. Chega do nada, sem avisar, como sempre faz. As águas gostam de fazer surpresa. Rapidamente me invadem, varrem, destroem meu espírito com toda sua força, suas cores, formas, cheiros, essências. Abstrações. Nada mais que isso.

Tão rápidas quanto vieram elas partem deixando para trás o terror de sua presença mas, ali em meio ao caos podemos ver emergir uma singela forma; as letras. Estão todas ali, solitárias e perdidas, molhadas e com medo. Ao passar vendo elas daquela forma não posso me furtar em ajudá-las, sempre ajudo, mas ainda não sei muito bem se por autruísmo ou por egoísmo mesmo.

Começo a juntá-las, agrupá-las, esquentá-las, amá-las... para que não se sintam mais sós. Elas me agradecem, ficam felizes, dançam de felicidade. Transam. Uma verdadeira orgia! Um puta bacanal! Uma sopa de letrinhas! Sublime!

Dessa linda dança-cópula-sopa nasce algo mágico, algo que é produzido pelas letras mas não pode ser explicado por elas. Algo que só o escritor sente, e sente apenas por um breve instante. Por isso mesmo escrevo esse texto... Todo escritor sabe que as águas (e a dança das letras) passam rápido. O que sobra de sua passagem, seu reflexo e sombra, é o que chamamos convencionalmente de poesia, mas essa também vai rápido se não for quase que imediatamente registrada perde sua graça, seu encanto, sua luz...
E enquanto ao lodo, ao entulho, as rochas, ao limo, ao mortos? E enquanto ao resto? O que acontece com ele? O resto é o que chamamos de literatura! E como é magnífica!

Esse texto foi inspirado no poema "O Guardador de Águas" de Manoel de Barros.

sábado, 17 de outubro de 2009

vomitaciones

.
.

the glimpsy of my death ( o instante da minha morte) – salvador dalí
.

só tenho vontade de escrever num estado explosivo, num clima de acerto de contas. hoje estou bem embriagada. as palavras me tomam, perdón.


- as transparências enganam.

- tudo está a um passo de entrar em erupção.


duas frases que ouvi hoje. não consigo me livrar delas. tenho lido bastante sobre surrealismo e não sei se conseguiria conviver com surrealistas. li que eles costumavam se reunir em torno de uma mesa e trocar maluquices. escrever sem freios, inventar e ressignificar palavras, pintar um mundo ao avesso. talvez ficasse quieta, só observando. ou participaria com aquele meu jeito de mediadora, que não sabe lidar muito bem com o silêncio e tenta ocupá-lo com algum comentário (de preferência um que provoque risadas). mas isso só aconteceria se estivesse embalada a boas doses de algo que afrouxasse os nervos. e você, a quantas anda de entrar em erupção? não pense que não sei que essa cara de muitos amigos é só paisagem. os cumprimentos nos corredores não passam de cordialidade. você queria explodir todo aquele prédio amarelo esquisito e talvez ir junto pelos ares. eu não te conheço, você não me conhece, mas fingimos que sim. ana embriagada está aí para misturar as coisas, fugir das linhas narrativas, viver a vida como um roteiro para uma peça de teatro que ainda está por vir, ou não.


para finalizar, um aperitivo da erudição de uma coroa burguesa que quase me fez vomitar lava sobre os pratos. o assunto rodeava as diferentes maneiras de se dizer uma mesma coisa. sete minutos de discussão: bidê, criado mudo e mesinha de cabeceira. ou seja: móvel que fica ao lado da cama, feito geralmente de madeira; serve principalmente como aparador de livros, garrafas d'água e celulares. segundo nossa digníssima dama da sociedade cacaumeneziana, quem fala "bidê" são os manézinhos catadores de berbigão, povinho sem cultura. nós, os bem nascidos, que tomamos café no iguatemi cinco vezes na semana, dizemos "mesinha de cabeceira". e criado mudo? coisa de classe média.
ai que nessas horas eu sinto na pele a dor e a delícia de estudar história.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Cortando o bolo, depois que apagaram a luz!

Uma coisa que faço quase sempre quando acesso nosso sítio é descer por entre os posts mais antigos. Faço isso no intuito de perceber se algum comentário novo fora feito ou até mesmo para reler algum desses posts e dar umas risadas (no caso dos mais antigos isso ocorre costumeiramente). Hoje ao realizar essa rotina, cheguei até o primeiro post e me dei conta de um acontecimento importante (é, sim!)! Vejam meus caros colegas, a primeira postagem data de 05 de setembro de 2008. É isso mesmo, pasmem! Nosso sítio já tem mais de um ano. Pensei: tecnicamente o primeiro post decente data de 07 de setembro, mas, de todo modo já se passou um ano e quase um mês.
Por uma iniciativa tomada por Paula Tejano, Poeta do Exílio e Zé do Trilho, o letras no exílio emergia online naquele glorioso dia 05 de setembro, e, ao longo destes 13 meses, outros talentosos colegas se juntaram a tríade inicial e hoje formam um time de colaboradores com algo em torno de 13 membros. Este blog já passou por várias fases, fases com alta produtividade, fases de escassez, fases de chegada de novos membros, fases de saídas. E para cada sopro de imaginação um personagem diferente, um mundo particular, múltiplas temporalidades e múltiplos também são os espaços em que estão circunscritos estas várias histórias. Histórias curtas, longas, em prosa, em verso. Houve sonetos, cordéis, poemas sem formas, com formas, mares, terras, perigos, aventuras, alegrias e tristezas. Cada retrato pintado com palavras e cores variáveis de um canto físico diferente que nos remetia para um canto fantasioso, distante, mais próximo de nós que imaginávamos.
Vida longa ao nosso exílio!

sábado, 26 de setembro de 2009

Enfim, apresento-me.


Recordo-me que falava do tango, sinto-me deveras emocionada quando me refiro a tal ritmo. O compasso do acordeom e a volúpia dos corpos rodopiando em meio ao salão me encantam.

O tango é o bater dos corações dos amantes em euforia, o êxtase supremo que escapa dos corpos e ganha vida em forma de som. Tão excitante quanto o orgasmo de mil virgens. Esse ritmo, para mim repleto dos mais sutis significados, segue o fluxo contrário dos demais sons. Sobe-me pelas coxas como as mãos de um amante fervoroso até chegar ao meu peito, aonde adentra minha carne e se instala em meu órgão pulsante.

Ao ouvir o tango revivo minhas lembranças, as quais escapam de minha memória e se postam frente aos meus olhos, como um presente momentâneo.

Vejam só, já estou eu novamente me perdendo entre os mais variados pensamentos sobre o tango. Prometi-lhes contar minha história, assim o farei, e começo pelo exato momento em que escolhi o meu nome. Não me entendam mal, não escondo aqui meu nome verdadeiro por não gostar deste, muito menos por vergonha daquilo que irei narrar, apenas acho que meu nome não combina com o tom que levei minha vida.

Naquela noite cortei meus pulsos! Sim, para mim é natural falar isso assim. Mas talvez minha calma ao anunciar esse fato se dê pela ausência do desejo de morrer. Pode parecer engraçado alguém cortar os pulsos senão para morrer. Replico dizendo que já me sentia vazia de vida antes mesmo de passar a lâmina pela minha carne. Suponho que quisesse lavar minha alma com sangue, já que o vinho não cumprira tal encargo. Nem mesmo a cachaça mais amarga apagaria minhas dores naquela noite.

Talvez a dor carnal diminuísse aquela entranhada em meu órgão vital. Mas, de fato, não cheguei a senti-la, ao ver o ferro atravessando as finas camadas de minha pele, hesitei. Prefiro entregar-me aos prazeres mundanos do que mutilar-me pelas dores que alguém plantou em meu peito.

Assim aconteceu, procurei o rouge entre meus pertences, corei minha face, apertei os lábios, soltei meus longos cachos e sai a procura de um macho que pudesse me preencher com sua virilidade. E foi nos braços de um belo exemplar masculino que matei a mim mesma, foi nos braços de um belo exemplar masculino que criei a mim mesma.

Agora eu era Cacilda B.

sábado, 19 de setembro de 2009


Humanum Desejus Mortalis

Era uma vez um pequeno moço chamado miguel. Miguel havia nascido no interior desse imenso Brasil, numa casa de campo,c om família campesina, com cachorro puguento, e com cheiro de terra.Desde muleque sempre fora muito afeito da natureza. Os campos, insetos, bois, riachos, cachoeiras... até mesmo o estrume dispertava interesse no garoto. Mas nada na natureza podia ser mais grandioso e fascinante que a Árvore que crescia em seu jardim.

O pai, Bento, dizia que aquela Árvore estava por ali muito antes desse mesmo nascer! "Aquela Árvore tem muita história para contar meu filho" dizia o velho Bento enquanto enrolava mais um palheiro - seu maior prazer em vida e também a causa de sua morte.

Desde então Miguel dedicava grande parte de seu tempo a deitar sob a sombra da Árvore e contar-lhe suas histórias. Contava a Árvore de tudo: da vez em que descobriu a cachoeira secreta, da vez em deu uma surra em Tulio por causa de Ritinha, da primeira vez que teve de ordenha a Anastácia, da vez em que pegou a arma de seu pai escondida, da vez em que junto aos outros garotos da redondeza espiara as meninas a banharem-se no riacho, da vez em que capturou Rogério (seu amado passarinho)... entre tantas outras histórias de meninice
mas, algo continuava a pertubar o garoto. Ao contrário do que seu pai dissera, sua amiga, dona Árvore, por mais que fosse uma ótima confidente tinha um defeito: não dava um pio!

Miguel cresceu, foi estudar direito no Rio de Janeiro, casou, teve quatro filhos - as mais novas eram gêmeas. Só voltou mesmo aquele maldito fim de mundo de sua infância quando recebeu a notícia de que seu pai falecera. O tabaco o matará. Seu Bento nunca deixou de fumar, velho teimoso, dizem até por ai que ele morreu com um sorrisso no rosto, enquanto enrolava um palheiro, é claro. Convicto de sua filosofia, grande homem - Miguel pensava. Mas agora que ele se fora para o grande ceu dos fumantes a velha fazenda ficara para seu único filho - sua mãe, Maria, esse nunca chegou a ver, só mesmo em foto. Morrera ao lhe conceder a vida.

Foi, em um dia ensolarado, sozinho até a fazenda do pai. Pensava no caminho que ao invés de vende-lá poderia fazer uma chácara agradável para a família, as meninas iriam adorar! Quando chegou percebeu que tudo estava exatamente como era! Os móveis, o chão, o velho fogão as rachaduras no teto, as inflitrações na parede, tudo! O tempo não surtia efeito naquele lugar ou pelo menos passava de modo diferente. Quando chegou ao quintal teve a maior das surpresas... dona Árvore ainda estava lá!

Miguel foi tomado por uma alegria de criança em dia de aniversário, foi correndo dar um abraço em sua velha amiga. Deitou-se no chão como costumava fazer e começou a contar-lhe as histórias de sua vida no Rio de Janeiro, já ia fazer quase 25 anos que fora embora de casa. Passou o dia a falar, um tagarela de carteirinha, nem o Sol aguentou tanto papo e logo se retirou mas dona Árvore não... ficou ali, firme e forte, a escutar.

Antes de retirar-se para dormir Miguel fez uma pergunta que sempre quis ter feito:
"Dona Árvore, por que você nunca me responde?"
Mas a ÁRVORE nada respondeu...
"Entendo." Ficou cabisbaixo e foi se deitar...

Na manhã seguinte preparou seu café ligou para a esposa ,disse que estaria de volta ao anoitecer. Foi até o antigo galpão do pai e pegou a enferrujada motoserra. Foi até a Árvore e, dessa vez, sem dar nenhuma explicação à cortou por inteiro. Enquanto a gigante despencava ele escutou uma voz que dizia:

"Humano tolo! Será que não entende! Árvores não falam!!!"

Queria ele ter achado que essa fora uma resposta da Árvore, mas não era, era apenas o seu próprio pensamento a reverberar no crânio.

"Eu sei, querida amiga. Não espero que um dia você entenda esse meu ato. Eu, apenas, precisava fazer isso."

Mas dessa vez não falou para a Árvore, falou para si.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Coragem

Hoje prometo não me estender,
pensamentos contarei em versos,
este ofício ainda me é obscuro,
prefiro em prosa me expressar,
contemplando o céu, contudo,
decidi concentrar-me e tentar.

Nesta imensidão do Amazônas,
escreverei meu primeiro cordel,
depois de receber lápis e papel,
cumprirei o que me fora pedido,
a história ainda irei contar,
nesta noite, porém, vou devanear.

Dos meus pensamentos caçadores,
muitos prendo por precaução,
todavia, libertarei algum,
este é o quero lhes passar,
é a ação de um coração comum,
a atitude de se transformar.

A inspiração custa aparecer,
na solidão é difícil esblandar,
ainda só me sinto mal acompanhado,
procuro sentido no destino traçado,
o verde amazônico deixa-me intrigado,
melhor tentar resumir e, continuar.

Apenas examino o poder de agir,
sobre uma forte batida do coração,
sentir constante energia aflorar,
com uma firme e plena decisão,
de revirar os medos e tensões,
e dar cor a todas nossas ações.

Assim, aqui me faço despedir,
desconhecendo se fora cordel feito,
inda dificulto com pouco conhecer,
de versejar idéias em mensagens,
contudo, neste convés me prosto,
a bela e maestra "coragem".

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Apenas uma menina...

Eu poderia ser mais detalhista ao me apresentar, no entanto me parece cedo...
não por nada...
juro!
sou eu mesma, ainda muito menina e temerosa...
ando pelas terras longinquas desde tempos remotos, embora sempre menina!
Pulo feliz todos os dias...saltito!
Toco música de pássaros que escuto e digo la bem fundo de mim mesma
com imperativos afirmativos:
você é uma passarinha!
mas não sou...na superficie eu sei...
sou apenas uma menina que toca flauta;flautista
que saltita;saltitante
sou portanto...uma menina flautitante!
Bom dia meus amigos do exilio...toco essa musica pra vocês...de um passáro muito esperto que canta no cerrado do Planalto central!
-------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------
ouviram?
pra vcs...

Vai um caldinho ai?

Preto, aguado, sem sal.
Sem cheiro, sem gosto... sem graça.
Somente com aquelas perdidas e solitárias folhas de louro boiando para depois não falarem por ai que não temperam com nada.
Como é difícil essa vida de universitário. Muito empenho para pouco dinheiro no futuro, mas façamos pelo prazer, pela paixão, é isso que dizem não é, assim fica mais fácil de suportar. E também, se tem algo que ajuda a suportar os anos de faculdade, esse algo, é o feijão.
Mas não pelo sabor, não se enganem, pelo sustento mesmo.
Encarar o feijão do famoso RU, para mim, é nostalgico. De certa forma me lembra de casa pois, ao comer aquele feijão percebo o quanto o feijão de minha mãe era bom. E não que minha mãe seja lá uma chefe de cozinha - na verdade passa bem longe disso - mas é aquele feijão de infância. Fica cravado na mémoria, ou melhor, na linguá.
Lá em minha casa havia uma eterna disputa para saber quem fazia o bendito do melhor feijão, se era a mãe ou a empregada, pois somente as mulheres cozinhavam. Sim, eu sei, casa machista, tipicamente nordestina, fazer o que... mas acho que no fundo todos tem uma pequena pitadinha desse karma chamado "machismo" - as(os) feministas que me perdoem.
Nunca revelei as mulheres de minha casa qual era o meu feijão favorito, para não gerar desavenças, sabe como é. A preferencia vai morrer comigo, é melhor assim. Mas só posso revelar uma coisa com toda a certeza: qualquer um dos dois era muito superior a esse de universidade!

E não me venha com essa que feijão e tudo igual não!
Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é um bom feijão.